Desde as múmias egípcias ao Capitão Cook e à Rainha Vitória, desde Ed Sheeran …até si?
Há nomes, no mundo do espectáculo, que não precisam de grandes pretextos para andarem “na boca do mundo”. Ultimamente, tudo o que está relacionado com Ed Sheeran resulta em notícia, em discussão e em formação de opinião. Até agora, sobre o músico, dominam as atitudes apaziguadoras e simpáticas que o tornam “ um fofo”, dos seus fãs e da imprensa.
No entanto, a opinião pública também gosta de sangue… tanta atenção sobre uma figura também é sinónimo que eles “andam aí”, à espera de um deslize.
Neste texto não queremos saber se o facto de Ed Sheeran, ter tatuado um leão enorme no peito está certo ou errado, é bonito ou feio. Vamos apenas aproveitar o assunto como demonstração da polémica e agitação social que surge associada a esta forma de expressão artística: a tatuagem. Desde pessoas famosas e de elevado estatuto social (diz-se que a Rainha Vitória tinha uma tatuagem no corpo) ao mais comum dos mortais, a impressão permanente de uma imagem no corpo tem-se tornado cada vez mais popular na sociedade ocidental, é uma moda que abrange praticamente todos os estratos sociais.
Se não há dúvidas de que, do ponto de vista do tatuador estamos perante uma arte, com mais ou menos criatividade da sua parte, do ponto de vista da pessoa tatuada, trata-se de uma forma de ter arte no seu corpo, imagens com um significado inventado por si, uma expressão de liberdade e de autonomia.
No caso, de Ed Sheeran, diz-se que ele tatuou um leão para comemorar o facto de ter conseguido esgotar três vezes o estádio de Wembley. O logotipo da equipa do Wembley é um leão. E assim se dá o sentido que se procurava para a acção de marcar o corpo de forma definitiva. No entanto, não só o cantor, mas muitas mais pessoas fazem-se tatuar apenas porque sim, porque o corpo é delas e são elas quem decide.
Em “The Ilustrated Man”, um livro de 1951, o autor, Ray Bradbury conta a inquietação que um homem experimenta ao ser tatuado por uma estranha mulher. Todo o corpo ficou coberto de imagens e essas imagens ganhavam vida… contavam histórias que nem sempre o seu “portador” gostaria de conhecer.
Ao longo da história, as tatuagens sempre tiveram um significado misterioso, associadas a rituais de passagem da adolescência para a idade adulta, ou associadas a atrocidades como o Holocausto.
As imagens que ficam eternamente no corpo – foram encontradas múmias tatuadas, do período Pré-Inca, no Perú e a múmia da sacerdotisa Amomet, do Reino Medio Egípcio, tem tatuagens que parecem simbolizar o sexualidade e a fertilidade – por vezes precisam de ter o seu significado reinventado pelos seus possuidores.
Há casos de sobreviventes a Auschwitz que, no pós-guerra deixavam à vista os números de identificação que lhes foram tatuados, para lembrar às pessoas o crime que aquele número representava. Hoje em dia, alguns descendentes de sobreviventes do Holocausto têm os números dos seus familiares tatuados nos braços. Começaram por ter significado de marginalização e destino de horror, feitas contra a vontade das vítimas, e mais tarde tornaram-se símbolo de sentida homenagem e grito de alerta.
A palavra “tattoo”, tem origem na modificação anglofónica de “tatao”, uma palavra polinésia usada no Tahiti. Consta que quando o famoso capitão James Cook desembarcou ai em 1769, terá encontrado homens e mulheres muito tatuados. A sua tripulação também se fez tatuar e a palavra “tattoo” começou a ser usada em vez de “cicatriz”, “pintura”, “mancha” como até aí se designavam as tatuagens.
A moda difundiu-se de tal modo entre a tripulação que o naturalista que acompanhava a expedição referiu: “todos estão marcados, mesmo que em diferentes partes do corpo, de acordo com o seu humor ou circunstâncias da sua vida.”
Os testemunhos actuais, reforçam a ideia de que a tatuagem é um manifesto social e individual, uma imagem com história. Já não é um rito de passagem, com as mesmas funções que tinha no passado e em diversas culturas, mas é uma espécie de biografia do corpo que se faz tatuar, que escolhe ser tatuado. É um recurso estético que ilustra um percurso de vida, como se pode ler nos testemunhos de algumas pessoas tatuadas, por exemplo, a Inês, de 23 anos:
“- Eu só tenho uma tatuagem, é relativamente pequena. Nas costas. É uma lembrança da pior situação por que já passei, do último segundo do “como era antes” e do início do resto da minha vida. É maravilhosa pelo horror, o que me lembra já ter passado. Não o fiz para chatear os meus pais, para ser diferente (ou igual) nem pela experiência. Fi-lo porque já sei que ia ser preguiçosa demais para me querer lembrar sempre que for preciso de que já não sou menininha… Da mamã.”
Pode ser uma forma de afirmação pessoal, algo viciante… E também uma forma de arte, como a encara Nádia, de 32 anos, que tem sete tatuagens e está a aguardar pelo tatuador “certo” para fazer a oitava: “- A primeira tatuagem, foi quase por rebeldia, hoje em dia é um gosto ter peças de arte no meu corpo. É isso que acho que estou à procura… de ser quase uma tela humana de alguns artistas Gostava de ser uma tela humana de outros artistas. O simples facto de tatuar é viciante.”
O próprio facto de não se estar tatuado, também pode ser resultado de uma tomada de posição mais ou menos consciente, segundo o Pedro, de 33 anos: “-Não tenho, já pensei muitas vezes nisso mas nunca avancei. A razão pela qual (ainda) nunca a fiz embora tenha um certo fascínio pela arte é tão somente o seu carácter de “eternidade” e com a dificuldade em escolher algo que pretenda realmente que fique para sempre num corpo habitado por uma mente em constante mudança e agitação estética.”
Voltando ao Ed Sheeran, a propósito da sua mais recente tatuagem, foi obrigado a tomar uma posição mais assertiva, menos “fofa”, como reacção aos comentários mais agressivos de que foi alvo… é que para muitos, a visão de uma imagem gravada de forma permanente no corpo de outros causa uma reacção de repulsa, fazendo lembrar os tempos em que essa arte era exclusiva de criminosos e membros de gangues ou identificadora daqueles que se queria excluir da sociedade.
Ainda há quem se ache no direito de mandar “lavar” os corpos tatuados de desconhecidos que passam por si na rua, tal é a afronta e o medo de ver agitada a sua representação de “normalidade”.
Goste-se ou não, tenhamos tatuagens ou não, a forma como “ilustramos” o nosso corpo, carrega-o de significados, de histórias de que gostamos e que ficarão connosco… para sempre.
Como Elis Regina canta, em “Tatuagem”: “Quero pesar feito cruz / Nas tuas costas / Que te retalha em postas / Mas no fundo gostas.”
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