Metal Gear Solid V é a despedida de Hideo Kojima da saga que ajudou a popularizar e fá-lo com um estrondo. Estamos perante o mais forte candidato a jogo do ano
A Konami, nos anos 90, era uma das grandes casas de desenvolvimento de videojogos. Caso algum dos leitores não tenha tido, como este que vos escreve, oportunidade de viver na 1ª pessoa a guerra dos 16 bits (Mega Drive VS SNES), um jogo da Konami tinha, necessariamente, duas coisas: Uma jogabilidade sem nódoas e uma banda-sonora de grande qualidade. Os exemplos são vários – Contra, Rocket Knight Adventures, os diversos jogos das Tartarugas Ninja, Castlevania, Sunset Riders. Para quem tiver a possibilidade de reviver estes títulos, por favor, não hesitem. Ainda hoje se tratam de belas pérolas que mostram como se cria um excelente jogo.
Mas porque é que fui buscar estes títulos? Porque, tal como estes clássicos, também Metal Gear Solid V: The Phantom Pain ficará, de certeza, na história dos videojogos e, garanto, daqui a 15 anos ainda estaremos a referi-lo como um exemplo de como se criar um jogo onde as acções do jogador são absolutamente imaculadas. Mas calma, juventude. Isso é agora cá para baixo:
Guião
Cinéfilos que me lêem, por favor não se zanguem comigo, caso não concordem com o que vou dizer, mas aqui vai – Hideo Kojima é o equivalente nos videojogos a Stanley Kubrick. Porquê? Porque ambos criaram autênticas obras-primas em cada género, onde o guião surgia apenas em segundo plano. Vejamos os diversos exemplos de Kubrick: Laranja Mecânica, Barry Lyndon, Full Metal Jacket, The Shining. Todos nos recordamos de diversos momentos em cada filme, que vivem isolados da história, sem ser necessário saber todo o enredo. Tal como o Hideo Kojima e os seus jogos, todos nos recordamos de alguns acontecimentos-chave, mas o enredo nunca foi a força por detrás da sua qualidade. Metal Gear Solid V não foge à regra. O enredo é bastante complexo, focando o acordar de Big Boss do seu coma de 9 anos para reconstruir a sua equipa de mercenários e vingar-se da Cipher, agência de inteligência rival. A linha narrativa é simples, se seguirmos apenas a informação contida nas missões principais. Porém, é preciso ouvir todas as cassetes áudio, espalhadas pelo jogo, para se conseguir perceber os pormenores e as motivações de cada personagem. O caminho para a conclusão foca-se em demasiadas curvas e contra-curvas, terminando de forma meio confusa. Para os fãs de longa-data, encontram diversas referências dos jogos futuros na narrativa, um belo bónus que ata algumas pontas soltas na história, no seu global. Mas o melhor não é, de todo, o guião.
Gráficos
Voltando à analogia com Kubrick, os gráficos de Metal Gear Solid V simbolizam, na perfeição, a obsessão quase maníaca de cada autor na construção das imagens que nos apresentam. E sem sombra de dúvidas, este é um jogo belíssimo. Aliás, arrisco-me mesmo a afirmar que é do grafismo mais belo, até ao momento, numa consola. A forma como o vento se levanta, nos areais do Afeganistão. As texturas de cada parede, de cada casa, de cada objecto, são vibrantes e quase reais. O movimento dos animais, dos humanos, das personagens. A beleza e enquadramento de cada cutscene. É muito fácil ficar absolutamente pasmado com a qualidade da Fox Engine. Em todas as horas de gameplay, não encontrei vez nenhuma um bug, uma personagem fora de sítio, um objecto mal construído, nada. Mas o grafismo é ainda mais surpreendente nos momentos recheados de elementos em movimento. Não há gaguejos, não há lag, não há diminuição de FPS. Tudo acontece em aparentes 60 FPS por segundo, mantendo o mesmo nível de sombras, de luzes, de recheio, de texturas, de definição. Puxa, não sei que adjectivos hei de utilizar mais para esta secção. Acho que fecho isto com um É BOM DEMAIS.
Banda-Sonora
“Bom, pelo menos na banda-sonora ele larga-nos com a treta da analogia do Kubrick, certo?”. Errado! Esta música que vos coloco aqui acima é uma cover de uma das músicas mais emblemáticas de David Bowie – The Man Who Sold the World. Não, não é a cover dos Nirvana. Esta vem de Midge Ure, um cantor e guitarrista escocês, responsável, com Bob Geldof, de organizar o Live Aid nos anos 80. O jogo começa com este tema e, para o jogador desprevenido com a obra de Kojima, pode parecer apenas uma maneira absolutamente cool de se iniciar um videojogo. Mas tal como Kubrick, Kojima nunca coloca uma música só porque sim. Nenhum dos temas dos anos 80/90 espalhados pelo jogo fogem ao ambiente criado por Phantom Pain. Esta em específico, ganha um papel absolutamente preponderante. Primeiro, porque a letra está carregada de simbolismo que acaba por encontrar pontos de contacto com o enredo. Segundo, porque o tom e timbre musical são mais aproximados à realidade de Metal Gear. E por último, de todas as versões deste tema, Kojima escolheu, para abrir o seu jogo, uma cuja voz é em tudo semelhante à de Bowie, mas que acaba por ser… diferente. Como disse, Kojima nunca coloca uma música só porque sim. Descobrir o porquê é absolutamente delicioso.
Jogabilidade
A jogabilidade de Metal Gear Solid V é um exercício de pura orquestração. No sentido em que, enquanto jogador, nos sentimos como um maestro, a controlar, de forma precisa e sem falhas, cada movimento, cada crescendo, cada diminuição, cada respiração, tudo. Nada do que o Big Boss faça neste jogo é responsabilidade do aleatório, do código binário ao lado, não. É tudo responsabilidade nossa. E esta responsabilidade começa, logo, pelas diversas formas como podemos abordar as inúmeras missões no jogo. Podemos ir de armas em punho, qual Rambo, a chacinar soldados e soldados. Podemos ir de forma mais furtiva, capturando inimigos para conseguir extorquir informações. Podemos matar soldados na mesma, mas ir de forma furtiva. Podemos resgatar soldados para a nossa Base-Mãe. As missões podem ser feitas sem termos que sair do campo de batalha. Podemos apanhar um helicóptero entre missões. Podemos fazer tudo ao nosso alcance para terminarmos cada missão. Temos ainda, para gerir, uma Base que vamos fortificando com mais componentes: combustível, diamantes e soldados / animais que vamos capturando no campo de batalha. A partir daí, podemos geri-los entre diversas categorias, desde a pesquisa de novas armas, itens e o melhoramento das já possuídas, como também desenvolver mais a estrutura física da mesma. No campo de batalha, podemos, para além das diversas manobras de ataque, rastejar no chão para evitar a detecção, escondermos-nos em todos os cantos para apanhar algum adversário desprevenido, utilizar objectos como o nosso braço metálico ou uma caixa de cartão para confundir os soldados, utilizar o nosso iDroid para perscrutar cada centímetro da nossa posição. Mais, com os nossos binóculos, que vão colocando um marcador em todos os inimigos encontrados, podemos, à medida que os melhoramos, começar a distinguir as capacidades de cada soldado, para o futuro melhoramento da nossa base. Sim, porque uma das mecânicas mais utilizadas é mesmo a da recolha Fulton – através de um balão, conseguimos raptar soldados, animais, veículos e caixotes para que possam ser utilizados no melhoramento da nossa base. A verdade é esta: precisamos de todo este detalhe para acabar o jogo? Não. Mas é isso que torna a sua jogabilidade tão competente, é esta liberdade de acções e caminhos a percorrer que nos leva a, com todo o prazer do Mundo, repetir uma missão várias vezes até encontrarmos a estratégia que melhor nos convém.
Diversão
Deixo-vos um desafio à vossa imaginação. Imaginem lá vocês que vos davam um comando, uma televisão com Full HD, um cenário de guerra absolutamente vasto, um cavalo, uma base para gerir e 1001 maneiras de terminarem o jogo. Puxa, que seca, não? Agora imaginem que todos os movimentos efectuados eram com a maior leveza e facilidade possível, que a mecânica de jogo vos recompensava pela qualidade das vossas movimentações, que conseguiam terminar cada missão da forma que mais vos apetecia, que a banda-sonora vos acompanhava e transportava para um mundo altamente caótico, à procura do sentido da guerra e do poder ulterior, que os gráficos vos hipnotizavam, tal era a profundidade e qualidade dos mesmos. Kojima criou, felizmente para nós, um enorme bloco de plasticina virtual para podermos moldar à nossa vontade. Receio poder repetir-me, mas não imaginam o quão divertido é estarem concentradíssimos, deitados atrás de um arvoredo, de noite, com receio de serem capturados, e ouvirem uma conversa entre dois soldados onde o tema é uma discussão entre um deles e a namorada. Ou irem até à base-mãe e ouvirem um dos vossos soldados falar sobre como gosta das patas de cachorros bebés. Ou de como, quase a ser descobertos, conseguem agarrar um dos soldados e escondê-lo numa berma, obrigando-o a revelar onde estão os prisioneiros que procuram. Ou de como se deliciam com a captura do vosso cachorro, de tão realista que é. Tudo neste jogo parece simples, não existe nada que exija grandes truques – a maior destreza está na nossa capacidade de raciocínio e estratégia, nunca na qualidade ou falta dela da mecânica de jogo. É simplesmente delicioso.
Conclusão
Este ano, e se o mesmo não tiver mais percalços, creio que já temos um possível top-2 para o Melhor Jogo de 2015. The Witcher 3 era a minha aposta mais forte, mas depois de experimentar Metal Gear Solid V, tenho que me refrear. Este título, em termos da jogabilidade, vence o jogo da CD Projekt Red, graças à pura genialidade de Hideo Kojima, um artista como raríssimos no meio e, infelizmente, dos que cada vez menos existem. Vem da escola de Hironobu Sakaguchi, Yuji Naka e Shigeru Miyamoto que, fruto do desinvestimento cada vez mais acentuado no mercado dos videojogos nipónico para consolas em detrimento dos jogos para smartphones e tablets, se arrisca a desaparecer. Uma escola onde as vendas, o sucesso comercial e a ideia do videojogo enquanto produto não existem, ficando apenas a visualização da obra enquanto manifestação do sentimento do criador. E todos nós, fãs desta arte, temos apenas a perder com este movimento. Assim que recomendo que todos, sem excepção, desfrutem do último jogo de Kojima na Konami. Vale a pena e, aposto convosco, que daqui a 15 anos ainda estaremos a falar dele.
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