Num mercado saturado de jogos que te levam pela mão, surge uma proposta que te atira para o meio do caos e te diz: “desenrasca-te”. Hell Is Us é um jogo de ação e mistério que não tem medo de ser confuso, denso e, por vezes, frustrante. Mas é precisamente nessa sua complexidade que reside a sua genialidade, numa meditação ambiciosa e críptica sobre os horrores de uma guerra civil.
Os momentos iniciais de Hell Is Us são, de forma brilhante, um caos de informação. És lançado para o meio de uma guerra civil entre duas fações, os Palomistas e os Sabinianos, e bombardeado com uma avalanche de nomes e conceitos: armamento Lymbic, Detetores Guardiões e uma “Calamidade” que rasgou o tempo e o espaço. O jogo faz questão que te sintas perdido, e a prova disso são os enigmáticos painéis de pedra espalhados pelo cenário, cujas inscrições és incapaz de ler.
Um mundo feito para te desafiar
Se esta abordagem te soa familiar, não é por acaso. Hell Is Us inspira-se claramente nos jogos “soulsborne” de Hidetaka Miyazaki, como Elden Ring. O mundo está repleto de símbolos esotéricos, puzzles complexos e uma história com séculos de profundidade que não te é explicada de forma direta. O combate, por sua vez, segue a mesma cartilha, com uma barra de estamina que se esgota a cada golpe e te obriga a recuar de forma estratégica.
No entanto, as comparações acabam aqui. Hell Is Us é também um jogo de detetives. Estás equipado com um “datapad” de aspeto retrofuturista onde armazenas uma autêntica enciclopédia de informações e diagramas com pistas para seguir. E sim, para resolveres os enigmas mais diabólicos, vais mesmo querer ter um bloco de notas e uma caneta ao teu lado. Não há marcadores de missão nem setas a indicar o caminho; tens de ler diários e usar uma bússola para te orientares.
A guerra e os seus demónios metafísicos
O cenário do jogo, o país fictício de Hadea, é o verdadeiro inferno na Terra. As primeiras horas mostram-te as consequências macabras de um pelotão de fuzilamento e corpos a balançar em árvores. Pelo meio, estranhas criaturas brancas, semelhantes a manequins, vagueiam pelos pântanos e planícies.
Estes inimigos são manifestações físicas das cicatrizes emocionais da guerra. Cada um está ligado a um cordão umbilical metafísico que invoca um ser geométrico e colorido, onde cada cor corresponde a uma emoção: azul para o luto, verde para o terror. A metáfora pode parecer um pouco gasta, mas é potente. Em Hell Is Us, para acabares com o luto intergeracional, tens de o cortar ao meio com um machado infundido em raiva.

Uma ambição com as suas próprias falhas
A ambição e a imaginação do jogo são inegáveis, mas a execução nem sempre está à altura. O protagonista, Rémi, tem um aspeto fantástico, mas a sua personalidade é a de um herói de videojogos cínico e genérico do final dos anos 2000. O enredo pessoal de Rémi, focado em descobrir o destino dos seus pais, não consegue prender o jogador, e a história acaba por se resumir a desbloquear uma série de portas com glifos ornamentados.
Após umas primeiras horas fascinantes, o jogo perde algum fôlego e o combate, que é essencial para desvendar o mistério da “Calamidade”, torna-se repetitivo. No entanto, o design dos dungeons é uma sinfonia espacial de passagens claustrofóbicas e átrios repletos de luz, e a vontade de desvendar os mistérios de Hadea nunca desaparece.
Apesar das suas falhas, a mensagem de Hell Is Us é clara e poderosa: uma vez aberta a caixa de Pandora da guerra, é impossível voltar a fechá-la. É um jogo que não te dá respostas fáceis, mas que te deixa a pensar muito depois de o teres desligado.
Outros artigos interessantes:










