A inteligência artificial está a ser desenvolvida em todo o mundo com diferentes objetivos em mente. Enquanto no Ocidente o debate se centra em temas como a criatividade, a produtividade e os riscos existenciais, na China, a tecnologia está a ser moldada para um propósito muito mais específico: o controlo. A mais recente prova disso foi revelada durante a conferência Huawei Connect 2025.
A Huawei, em parceria com a Universidade de Zhejiang, anunciou o desenvolvimento de um novo modelo de IA “focado em segurança”, chamado DeepSeek-R1-Safe. Treinado com 1000 dos seus potentes processadores Ascend, este novo modelo tem uma capacidade impressionante e alarmante: consegue, segundo os seus criadores, impedir a discussão de tópicos sensíveis ou assuntos políticos com uma eficácia de até 100%.
Este não é apenas mais um filtro de conteúdo. É uma das ferramentas de censura digital mais avançadas já criadas, desenhada à medida para servir os objetivos do estado chinês e para garantir que o desenvolvimento da IA no país evolui de acordo com os seus valores ideológicos.

O que é o DeepSeek-R1-Safe e para que serve?
O propósito do DeepSeek-R1-Safe é explícito. Segundo o anúncio, o modelo será utilizado primariamente pelos reguladores chineses para “manter um olho nos valores socialistas com um controlo apertado sobre o discurso”. A sua função é detetar e bloquear ativamente qualquer conteúdo que seja considerado problemático.
A lista de alvos inclui o que é descrito como “discurso tóxico e prejudicial, conteúdo politicamente sensível e comportamento ilegal que possa perturbar o país”. Na prática, isto significa que o modelo foi otimizado para ser um guardião digital da “Grande Firewall da China”, garantindo que as conversas geradas por IA se mantêm estritamente dentro das linhas definidas pelo governo.
Tecnologia de ponta ao serviço do controlo
O que torna este anúncio particularmente notável são as suas proezas técnicas. Construir um modelo de IA que seja simultaneamente muito restritivo e funcional é um desafio complexo. Muitas vezes, os modelos excessivamente censurados tornam-se inúteis ou “lobotomizados”, incapazes de responder de forma coerente. A Huawei afirma ter resolvido este problema.
Segundo a empresa, o DeepSeek-R1-Safe tem uma “capacidade de defesa de segurança abrangente” de 83%, superando outros modelos chineses concorrentes, como o Qwen da Alibaba, em até 15%. Mais impressionante ainda é a afirmação de que alcançou este nível de controlo com uma degradação de desempenho inferior a 1% em comparação com o modelo original em que se baseia. Por outras palavras, criaram uma IA que censura melhor do que todas as outras, sem que isso a torne visivelmente menos capaz.
Um detalhe interessante é que o modelo é uma versão modificada de uma IA criada pela startup chinesa DeepSeek. No entanto, os relatórios indicam que a startup original não esteve envolvida neste novo desenvolvimento, o que sugere que a sua tecnologia foi adaptada pela Huawei e pela universidade para este novo propósito focado no controlo.
O “splinternet” e o futuro da IA: duas realidades?
Este desenvolvimento é talvez o exemplo mais claro da emergência de um “splinternet” – uma internet global que se está a fraturar em ecossistemas distintos e com regras fundamentalmente diferentes. Agora, esta fratura está a chegar à própria camada da inteligência artificial.
Estamos a assistir ao nascimento de duas filosofias de IA em paralelo. De um lado, os modelos ocidentais, que são desenvolvidos com um foco em debates sobre vieses, ética, criatividade e segurança existencial. Do outro, modelos como o DeepSeek-R1-Safe, cujo principal objetivo de design não é a criatividade ou a verdade, mas sim a conformidade com uma ideologia de estado.
A apresentação deste modelo, que em breve estará disponível para uso comercial na China, é um vislumbre de um futuro onde a IA não será uma tecnologia global unificada, mas sim um reflexo dos valores políticos e sociais das nações que a desenvolvem. A Huawei, com o poder dos seus processadores Ascend, demonstrou que tem a capacidade técnica para construir este futuro à medida das necessidades do seu país.
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