Na complexa guerra fria tecnológica que opõe os Estados Unidos à China, cada avanço de um dos lados é observado com a máxima atenção. Hoje, a Huawei, uma das empresas mais visadas pelas sanções americanas, fez um dos seus anúncios mais significativos dos últimos anos: o desenvolvimento bem-sucedido da sua própria memória HBM (High-Bandwidth Memory), um componente até agora dominado por empresas estrangeiras e que é absolutamente crucial para o fabrico de processadores de inteligência artificial de ponta.
Este não é um simples lançamento de produto. É uma declaração de independência tecnológica e uma resposta direta às tentativas de travar o seu avanço no campo da IA. Ao dominar a produção de HBM, a Huawei não só resolve um dos seus maiores estrangulamentos na cadeia de fornecimento, como se posiciona de forma muito mais agressiva para desafiar o domínio quase absoluto da Nvidia no mercado de hardware para IA.
O que é a memória HBM e porque é que é o “ouro” da IA?
Para entenderes a magnitude deste anúncio, é fundamental saber o que é a memória HBM e porque é que se tornou um dos componentes mais cobiçados do mundo. Se um processador de IA é o cérebro, a HBM é o sistema nervoso de altíssima velocidade que lhe dá acesso instantâneo à informação de que precisa.
Ao contrário da memória RAM tradicional, a HBM consiste em múltiplos chips de memória (DRAM) empilhados verticalmente e ligados diretamente ao lado do processador. Imagina uma autoestrada com dezenas de faixas em vez de uma estrada nacional com uma única via. Esta arquitetura reduz drasticamente a distância que os dados têm de percorrer, resultando numa largura de banda massiva e num consumo de energia muito inferior.
Para treinar e executar os modelos de inteligência artificial, como os grandes modelos de linguagem (LLMs), que exigem o processamento de quantidades astronómicas de dados em simultâneo, esta velocidade é essencial. Sem HBM, simplesmente não é possível construir um processador de IA competitivo.

Uma resposta direta às restrições dos EUA
As sanções impostas pelos Estados Unidos tinham como um dos seus principais objetivos cortar o acesso da Huawei a tecnologias críticas como esta. Impedida de comprar HBM de líderes de mercado como a SK Hynix ou a Samsung, a capacidade da Huawei para desenvolver os seus processadores de IA da linha Ascend estava seriamente ameaçada.
A resposta da empresa não foi procurar alternativas, mas sim fazer o que parecia impossível: desenvolver a sua própria tecnologia de raiz. A revelação de hoje mostra que essa aposta deu frutos, transformando uma vulnerabilidade imposta externamente numa nova e impressionante capacidade interna. É um exemplo clássico de como a pressão geopolítica pode, paradoxalmente, acelerar a autossuficiência e a inovação.
As novas armas da Huawei no seu arsenal de IA
A Huawei apresentou duas versões da sua nova memória, cada uma projetada para um tipo específico de processador e tarefa de IA:
- HiBL 1.0: Esta versão oferece uma largura de banda de 1.6 TB/s e uma capacidade de 128 GB. Será integrada no futuro processador Ascend 950PR, com lançamento previsto para o primeiro trimestre do próximo ano. Este conjunto será otimizado para o treino de modelos de IA, suportando formatos de dados de baixa precisão que aceleram o processo.
- HiZQ 2.0: Uma versão ainda mais potente, com uma largura de banda impressionante de 4 TB/s e 144 GB de capacidade. Esta memória será usada no processador Ascend 950DT e foi desenhada para melhorar o desempenho de inferência, ou seja, o processo de usar um modelo de IA já treinado para obter resultados e respostas.

Poderá a Huawei realmente desafiar a Nvidia?
A Nvidia domina o mercado de IA não apenas pelo seu hardware de excelência, mas também pelo seu ecossistema de software maduro, o CUDA. Desafiar esta posição é uma tarefa hercúlea. No entanto, o anúncio da Huawei é um passo de gigante na direção certa.
Ao controlar toda a pilha de hardware (o processador e a memória), a Huawei pode otimizar a interação entre os dois componentes de uma forma que os seus concorrentes, que dependem de fornecedores externos de HBM, não conseguem. Para o mercado interno chinês, onde o acesso aos chips mais avançados da Nvidia está severamente restringido, a Huawei está agora perfeitamente posicionada para se tornar a fornecedora dominante.
Globalmente, a batalha será mais difícil, mas com esta demonstração de capacidade tecnológica, a Huawei provou que não só sobreviveu às sanções, como emergiu delas com uma nova e poderosa arma no seu arsenal.
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