O Instituto Português de Bitcoin (IPB) trouxe para o centro do debate uma proposta pouco comum, que Portugal deveria criar uma reserva estratégica de Bitcoin (BTC), tratada como um ativo de refúgio comparável ao ouro.
A ideia, defendida por Francisco Quartin Macedo, assenta na escassez programada do BTC (máximo de 21 milhões), na facilidade de custódia e transferência, e na ambição de colocar o país na vanguarda da inovação financeira na UE.

O que está realmente em cima da mesa
A proposta do IPB não é um capricho isolado. Outros países e blocos já observam o tema com seriedade. Nos EUA, a Casa Branca assinou em março de 2025 uma ordem executiva que cria a Strategic Bitcoin Reserve, capitalizada com BTC apreendido pelo Estado, um modelo que tornou a discussão globalmente mais concreta.
O eco regulatório na Europa também é real. A ESMA tem vindo a emitir orientações e críticas para harmonizar autorizações sob o MiCA, após apontar falhas no processo de licenciamento de Malta. Num tabuleiro assim, Portugal é chamado a decidir se observa ou se lidera.
Uma decisão do Estado de reter BTC como ativo estratégico nada tem que ver com aconselhar particulares a investir. No entanto, sem dúvida, essas medidas incentivam a busca por informação sobre como comprar bitcoin em Portugal. O mercado de criptoativos não para de crescer no país. E, com essa medida, o governo visa o longo prazo.
MiCA já vigora, mas Portugal precisa de fechar a execução nacional
Desde 30 de dezembro de 2024, os prestadores de serviços de criptoativos na UE (CASPs) dependem de autorização ao abrigo do MiCA. Em janeiro, o Banco de Portugal esclareceu que essa autorização terá de ser concedida pela autoridade nacional designada num diploma de execução, isto é, sem ato nacional não há “balcão” formal para novas licenças.
O resultado disso é que o grandfathering e a transição convivem com uma fase administrativa ainda em ajuste. No plano europeu, a ESMA tem publicado peer reviews e public statements para reduzir assimetrias regulatórias. Em julho, o regulador europeu identificou oportunidades de reforço no processo de autorizações em Malta.
Alertou ainda para riscos quando CASPs oferecem serviços regulados e não regulados em paralelo, e recomendou maior escrutínio a governação e TI. O esforço aponta a um objetivo, consistência de MiCA em toda a UE. Condição necessária para que reservas públicas de BTC convivam com mercados seguros.
O que defende o IPB e como se faria na prática
O IPB sustenta que o BTC funciona como ouro digital. Uma oferta limitada, liquidação sem intermediários e portabilidade global, numa rede descentralizada. A criação de uma reserva estratégica seria, segundo a entidade, um sinal de soberania financeira, diversificação do balanço público e alinhamento com tendências internacionais.
O tema ganhou tracção mediática em Portugal e aparece associado a um ciclo de preço favorável, com a Bitcoin a ter tocado máximo histórico acima de 123 mil dólares em julho. Qualquer reserva estatal exigiria regras claras de custódia (por exemplo, multisig com módulos HSM e segregação de chaves), auditoria independente e prova de reservas on-chain.
O modelo norte-americano dá pistas ao consolidar BTC detido pelo Estado via apreensões judiciais numa conta soberana, com vedação à venda pro-cíclica e prestação de contas periódica. Um desenho assim reduz risco operacional e evita ruído político de curto prazo.
Impacto para o retalho e fiscalidade
Uma posição pública a favor de reservas pode aumentar o interesse do público, o que impõe reforço de literacia financeira e sinais claros de proteção. Em Portugal, os dados mostram um quadro misto. No inquérito do Banco de Portugal, pouco mais de 13% dos consumidores dizem deter ou ter detido criptoativos ou stablecoins.
Já entre investidores, um relatório da BlackRock apontou 43% com cripto na carteira, métricas diferentes, mas que ajudam a perceber a amplitude do fenómeno. Além disso, desde 1 de janeiro de 2023, os ganhos com criptoativos detidos por menos de 365 dias são tributados à taxa especial de 28% (salvo opção de englobamento).
Já as mais-valias de ativos detidos há 365 dias ou mais estão isentas. A regra foi introduzida no Orçamento do Estado para 2023 e mantém-se como referência para particulares. Se o Estado vier a deter BTC no seu balanço, tratar-se-á de outra esfera, mas para o retalho, a lógica temporal continua a ser determinante.
Nos próximos meses, pode haver a designação formal da autoridade nacional competente para autorizações MiCA e o detalhe do regime de transição. Também uma evolução das orientações da ESMA e a resposta dos supervisores nacionais. O debate político sobre o papel do BTC no balanço do Estado, quer por via de apreensões, quer por compras programadas, deve, então, continuar.
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