Se fazes parte da geração que cresceu a folhear manuais de instruções, a organizar caixas de videojogos na prateleira e a sentir o cheiro a plástico novo de um disco acabado de comprar, a mais recente revelação da Sony pode soar como o início de uma despedida. A nostalgia do formato físico sempre foi um pilar da cultura dos videojogos, mas os números não mentem e, segundo a própria Sony, esta tradição representa agora uma fatia mínima do seu negócio.
Num relatório corporativo recente, a gigante japonesa revelou um dado estatístico brutalmente honesto: as vendas de jogos em disco para a PlayStation 5 constituem apenas 3% da receita total da sua divisão de videojogos. Este número, por si só, é chocante, mas torna-se ainda mais significativo quando comparado com os 6% que representava em 2020, o ano de lançamento da consola.
A queda de 50% em poucos anos não é apenas uma estatística; é um sinal claro das mudanças nos hábitos de consumo e da própria estratégia da empresa. A pergunta que fica no ar é inevitável: estaremos a testemunhar os últimos dias dos discos na PlayStation, abrindo caminho para uma PS6 totalmente digital?
Os números não mentem: a queda de uma tradição
Vamos aprofundar os dados. Se os jogos em caixa geram apenas 3% da receita, de onde vem o resto? O mesmo relatório indica que o software digital, ou seja, os jogos comprados diretamente na PlayStation Store, é responsável por 20%. O restante é preenchido por outras fontes de receita digitais, como microtransações, DLCs e, claro, as subscrições do serviço PlayStation Plus. A mensagem é clara: o futuro, para a Sony, é digital, e o presente já o é em grande parte.
Isto levanta uma questão clássica de “quem veio primeiro, o ovo ou a galinha?”. Foram os jogadores que abandonaram em massa o formato físico, forçando a Sony a adaptar-se, ou foi a própria Sony que empurrou os consumidores nessa direção? A resposta, provavelmente, está no meio. Por um lado, a conveniência de comprar, descarregar e jogar instantaneamente, muitas vezes aproveitando promoções na loja digital, é inegável.
Por outro lado, as ações da Sony aceleraram esta transição. O lançamento de modelos mais recentes da PS5, como a versão “Slim” e a PS5 Pro, sem um leitor de discos incluído de série (é agora um acessório opcional), removeu uma barreira à entrada no ecossistema digital. Ao tornar o leitor de discos um extra, a Sony está implicitamente a dizer aos novos compradores que ele já não é essencial.

Uma tendência que vai além da PlayStation
Seria um erro pensar que este fenómeno é exclusivo da Sony. Toda a indústria dos videojogos está a mover-se na mesma direção, cada um ao seu ritmo. A Microsoft, com a Xbox, tem sido a mais agressiva promotora do digital, com o seu serviço Game Pass a ser o pilar central da sua estratégia. Não é raro encontrar edições físicas de jogos da Xbox que contêm apenas um código de download dentro da caixa, tornando o disco obsoleto.
Até a Nintendo, tradicionalmente a maior defensora do formato físico através dos seus cartuchos, começa a mostrar sinais de cedência. Com jogos cada vez maiores e mais complexos, o custo e a capacidade limitada dos cartuchos (que atualmente atingem um máximo de 64 GB) tornam-se um problema. A solução encontrada para alguns lançamentos na Switch 2 tem sido os “Game Key Cards”, essencialmente cartões que desbloqueiam o download digital do jogo, mais uma vez, empurrando o formato físico para um papel secundário.
O que perdemos quando a caixa desaparece?
A transição para um futuro 100% digital oferece conveniência, mas levanta questões fundamentais sobre posse, preservação e o próprio valor dos videojogos como artefactos culturais.
A questão da posse: o teu jogo é mesmo teu?
Quando compras um jogo em disco, possuis uma cópia física que podes emprestar, vender ou guardar para sempre. Quando compras um jogo digital, o que adquire é uma licença de utilização, que depende da continuidade dos servidores da Sony para ser validada. Se, daqui a 15 ou 20 anos, a loja da PS5 for encerrada, o que acontecerá à tua biblioteca de jogos? Já vimos isto acontecer com jogos de serviço online que, ao serem descontinuados, tornam até as suas versões em disco inúteis.
O fim do mercado de segunda mão e do colecionismo
Um ecossistema totalmente digital significa o fim do mercado de jogos usados, uma via que permitiu a muitos jogadores aceder a títulos mais antigos a preços mais acessíveis. O colecionismo, a alegria de ter uma prateleira que conta a história das tuas aventuras virtuais, também desaparece. Os videojogos correm o risco de se tornarem efémeros, perdendo a sua tangibilidade e uma parte importante da sua história.
Com rumores persistentes a sugerir que a PlayStation 6 poderá ser lançada sem qualquer modelo que inclua um leitor de discos, os números agora revelados pela Sony não parecem ser um acaso, mas sim a justificação final para dar o próximo passo. A conveniência de hoje pode ser a biblioteca inacessível de amanhã.
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