O universo de The Witcher nos videojogos é um dos mais ricos e detalhados do mundo do gaming. Parte fundamental da sua mitologia é a existência de diferentes “escolas de bruxos” – a do Lobo, a do Gato, a da Víbora, entre outras – cada uma com a sua filosofia, equipamento e história. O medalhão de lobo que Geralt de Rivia usa ao pescoço é um símbolo icónico desta estrutura. Agora, imagina que tudo isto nasceu de um erro, uma única frase que o autor original se arrepende de ter escrito.
Numa recente sessão de perguntas e respostas com fãs no Reddit, o criador do universo The Witcher, o autor polaco Andrzej Sapkowski, revelou, no seu estilo notoriamente franco, que todo o conceito das escolas de bruxos foi um “acidente” que ele considera “narrativamente incorreto” e que os criadores dos jogos expandiram de forma “completamente desnecessária”.
A origem do “erro”: uma única frase em O Último Desejo
Questionado sobre as diferentes escolas, Sapkowski deu uma resposta surpreendente. Segundo ele, toda a ideia nasceu de uma “única frase sobre uma ‘escola do Lobo’ que misteriosamente se infiltrou em O Último Desejo“, o primeiro livro da saga.
O autor explicou que, após a publicação, considerou a ideia “indigna de ser desenvolvida” e até “prejudicial para o enredo”. Por essa razão, ele abandonou deliberadamente o conceito e nunca mais fez qualquer referência a outras escolas nos restantes livros da série principal. No seu universo literário, a ideia de múltiplas escolas de bruxos, na prática, não existe.

A crítica à CD Projekt Red: uma “tenacidade notável”
O problema, segundo Sapkowski, é que essa única frase foi o suficiente. “Os adaptadores, particularmente as pessoas dos videojogos, agarraram-se à ideia com uma tenacidade notável e multiplicaram maravilhosamente estas ‘escolas de bruxos'”, escreveu o autor, num tom que mistura exasperação com uma pitada de ironia. “Completamente desnecessário”, concluiu.
Para Sapkowski, a CD Projekt Red pegou num pormenor que ele considerava um erro e transformou-o num dos pilares centrais do seu universo expandido, algo que ele nunca tencionou.
Porque é que as escolas são tão importantes para os jogos?
Apesar da opinião do autor, a decisão da CD Projekt Red de expandir este conceito foi, do ponto de vista do design de um videojogo, absolutamente genial. Enquanto num livro o foco pode manter-se firmemente no percurso de uma única personagem, num RPG de mundo aberto, a criação de um universo mais vasto e com mais história enriquece a experiência do jogador.
As diferentes escolas permitiram à CDPR:
- Aprofundar o mundo: Criaram uma história mais rica para a ordem dos bruxos, com diferentes facções, rivalidades e filosofias.
- Criar identidade para o jogador: Introduziram diferentes conjuntos de armaduras e estilos de combate (a agilidade da Escola do Gato, a força da Escola do Urso), permitindo aos jogadores personalizar a sua forma de jogar.
- Expandir a franquia: Forneceram uma base de lore perfeita para expandir o universo noutros jogos e até na série de animação da Netflix, Nightmare of the Wolf, que se foca precisamente em Kaer Morhen e na Escola do Lobo.
No fundo, o que Sapkowski vê como um “erro” narrativo para os seus livros, a CDPR viu como uma oportunidade de ouro para o world-building do seu jogo.
Como é que o autor planeia “corrigir” o seu próprio universo?
Curiosamente, o próprio Sapkowski parece indeciso sobre como lidar com este “erro” original. Ele admitiu estar a ponderar duas soluções completamente opostas: ou apaga a frase da discórdia de futuras edições de O Último Desejo, fazendo um retcon e eliminando a ideia da sua obra, ou, pelo contrário, abraça o conceito e expande-o nos seus próximos livros, explicando finalmente, e nos seus próprios termos, o significado dos medalhões e a sua ligação a indivíduos específicos.
No final de contas, as declarações do autor, embora fascinantes, não mudam nada. As escolas de bruxos estão tão enraizadas no imaginário dos fãs através dos jogos que já ganharam vida própria. São um exemplo perfeito de como uma adaptação pode pegar numa pequena semente do material original e fazê-la florescer em algo que o próprio criador nunca imaginou.
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