No final dos anos 1980, sugeriu-se que a adição de compostos químicos solúveis contendo ferro poderia fazer dos oceanos verdadeiras plantações de fitoplâncton, micro-organismos aquáticos capazes de realizar a fotossíntese. Já foi proposto que este fenômeno, conhecido como fertilização com ferro, tenha ocorrido naturalmente e ajudado a provocar as eras glaciais, hipótese reforçada pela recente análise de amostras cilíndricas de sedimentos do leito do mar da costa sudoeste da África do Sul por pesquisadores do Instituto Federal de Tecnologia em Zurique (ETH Zürich), Suíça.
Em artigo publicado na Science, a equipe de trabalho descreve como os baixos níveis de nitrogênio observados nos cilindros amostrais podem ter influenciado na redução do nível de dióxido de carbono atmosférico e, consequentemente, na diminuição da temperatura média do globo, durante o último período glacial, cujo pico de glaciação se deu há cerca de 22 mil anos.
A teoria da fertilização com ferro supõe que, durante as eras do gelo — quando o nível do mar permanece mais baixo e as regiões rasas, outrora cobertas pelo mar, são expostas —, sedimentos ricos em ferro secam e passam a compor a poeira que, carregada por fortes ventos, pode chegar à superfície do oceano. Lá, serviria de alimento ao fitoplâncton, notório sequestrador de carbono e base da cadeia alimentar oceânica. De fato, há 20 anos, o oceanógrafo John Martin, não envolvido no estudo atual, encontrou evidências ligando a queda dos níveis de dióxido de carbono atmosférico na última era glacial ao aumento nos níveis oceânicos de ferro.
De acordo com Alfredo Martínez-García, paleontólogo do ETH, estudos anteriores de sedimentos do fundo do mar haviam logrado correlacionar temporalmente a existência de uma poeira rica em ferro e os surtos de produtividade biológica em determinada região. Agora, a equipe de Martínez-García desenvolveu uma nova maneira de investigar sedimentos marinhos e analisou o material orgânico fossilizado das amostras.
Os pesquisadores procuraram esqueletos de uma espécie particular de micro-organismos que formam conchas, os foraminíferos, de fácil identificação. As conchas desses seres retêm pistas da sua dieta e, especificamente, do nitrogênio que teria sido ingerido por eles conforme o nitrato se dissolveu na água: quanto maior for o teor de nitrogênio observado em uma amostra, maior será a abundância da vida na água sobre a região de onde foi extraída a amostra.
Concluiu-se que os níveis de nitrogênio da amostra datada a carbono, que representava cerca de 160 mil anos de acúmulo de sedimentos, indicam uma forte ligação entre a quantidade de poeira depositada na região, a produtividade biológica na superfície do mar e a quantidade de nitrato consumida pelos foraminíferos. Esta cadeia de relações foi considerada válida durante os picos das últimas duas eras glaciais, diz Martínez-García, bem como durante outros períodos de um duradouro clima mais frio do que o habitual nos 160 mil anos abordados pelo estudo.
“Este é um artigo muito bom, um grande passo adiante no campo”, afirma Edward Boyle, especialista em geoquímica marinha do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). A pesquisa não mediu diretamente a quantidade de ferro diluída na água através da poeira nas eras passadas, mas dá aos cientistas melhores condições de compreensão do papel desenvolvido pelos níveis de nitrogênio no passado, que impactam diretamente na ascensão, queda e fluxo da vida marinha.
A origem da poeira rica em ferro pode ter sido a costa leste da América do Sul, exatamente quando o nível do mar estava mais baixo, e o deserto da Patagônia, nos períodos interglaciais (intervalos entre períodos glaciais caracterizados por temperaturas médias mais elevadas), segundo Martínez-García. No entanto, a evidência química da fertilização descoberta pelo estudo responde por apenas metade da variação do gás carbônico verificada entre os períodos glaciais e interglaciais, ressalta Andrew Watson, cientista climático da Universidade de Exeter, Reino Unido. Assim, mesmo que a fertilização com ferro seja um fator a ser levado em conta em estudos climáticos, ela não explica totalmente as eras glaciais pelas quais a Terra passou.
Apesar de apoiar a teoria da fertilização, o estudo atual parece não dar espaço às pretensões de se jogar ferro no oceano, a fim de que caiam os níveis modernos de dióxido de carbono no ar. Os cilindros amostrais indicam que levaria aproximadamente mil anos de aumento do montante de ferro na água para que ocorra um surto na população do fitoplâncton capaz de reduzir o nível de carbono atmosférico em apenas 40 partes por milhão (no primeiro semestre do ano passado, pesquisadores estimaram o nível atual em 400 partes por milhão).
Ademais, ainda é incerto que o carbono retirado da atmosfera será permanentemente trancafiado no leito do mar, um objetivo de alguns esforços de geoengenharia climática. Na realidade, estudos sugerem que as criaturas inseridas nos postos mais altos da cadeia alimentar responderiam ao aumento na quantidade de alimento disponível com um aumento na própria população, o que retornaria o carbono ao ecossistema graças à respiração.
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