A saga Assassin’s Creed construiu a sua reputação a levar os jogadores a alguns dos períodos mais fascinantes e turbulentos da história da humanidade. Já explorámos o Renascimento italiano, a Revolução Francesa e o Egito Antigo. No entanto, um novo e revelador relatório indica que a Ubisoft teve em mãos um dos cenários mais potentes e socialmente relevantes de sempre para a franquia, mas que decidiu cancelá-lo precisamente por essa razão: era demasiado arriscado.
Segundo uma investigação do jornalista Stephen Totilo, do site Game File, a Ubisoft cancelou em 2024 um projeto, com o nome de código “Project Scarlet”, que seria um jogo de Assassin’s Creed passado no período da Reconstrução, a era que se seguiu à Guerra Civil Americana. O protagonista seria um homem negro, anteriormente escravizado, que se juntaria à Irmandade dos Assassinos para lutar contra uma influência Templária ligada à ascensão do Ku Klux Klan.
A razão para o cancelamento? Um alegado medo, por parte dos executivos da Ubisoft, da controvérsia política e social que um jogo com estes temas poderia gerar.

“Project Scarlet”: a história que não será contada
De acordo com fontes anónimas dentro da Ubisoft, o “Project Scarlet” estava a ser desenvolvido pelo estúdio da Ubisoft Québec (o mesmo de Assassin’s Creed Odyssey) e encontrava-se numa fase inicial de produção. A narrativa seguiria a jornada do protagonista que, após obter a sua liberdade no final da Guerra Civil, tentaria refazer a sua vida, viajando para o Oeste americano.
No entanto, ele seria recrutado pelos Assassinos e teria de regressar ao Sul dos Estados Unidos para combater uma nova e insidiosa ameaça Templária, que estaria a instrumentalizar o recém-formado Ku Klux Klan para os seus próprios fins. Esta premissa colocaria os jogadores no centro de um dos períodos mais violentos e politicamente carregados da história americana, explorando temas de racismo, resistência e a luta pela liberdade num contexto raramente abordado em videojogos de grande orçamento.
As razões do medo: “demasiado político para um país instável”
Por que razão um conceito tão poderoso e tão alinhado com a premissa de Assassin’s Creed foi cancelado? O relatório aponta dois motivos principais, ambos relacionados com o medo de reações negativas.
O primeiro foi uma preocupação interna de que o jogo pudesse gerar uma onda de críticas online semelhante à que surgiu em torno de Assassin’s Creed Shadows, por este ter como protagonista Yasuke, uma figura histórica de um samurai africano.
O segundo, e mais significativo, foi o receio de que o jogo fosse simplesmente “demasiado político para um país demasiado instável”, como descreveu uma das fontes. A liderança da Ubisoft terá considerado que lançar um jogo que lida de forma tão direta com temas de racismo e com a história do KKK, no atual clima de polarização política dos Estados Unidos, seria um risco de negócio demasiado grande.
Um passo atrás na coragem da franquia
Esta decisão, se confirmada, representa uma desilusão para muitos e um aparente passo atrás na própria história da Ubisoft. A empresa não é estranha a temas sensíveis. Em 2013, o DLC Freedom Cry para Assassin’s Creed Black Flag foi aclamado precisamente pela sua coragem em colocar os jogadores na pele de Adéwalé, um homem anteriormente escravizado que se torna um Assassino e luta contra o comércio de escravos nas Caraíbas.
“Project Scarlet” seria a evolução natural dessa abordagem narrativa, aplicando a mesma lente de exploração da opressão e da resistência a um contexto norte-americano. O seu cancelamento sugere uma nova aversão ao risco por parte da empresa, uma preferência por cenários históricos “mais seguros” e menos propensos a gerar debates acesos.
É irónico que, apesar da controvérsia online, o Assassin’s Creed Shadows tenha sido um sucesso crítico e comercial em 2025, o que levanta a questão se o medo da Ubisoft não terá sido exagerado. Por agora, a história de “Project Scarlet” serve como um exemplo fascinante de como as sensibilidades do mundo real podem, por vezes, ditar o que podemos ou não podemos explorar nos nossos mundos virtuais.
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