A nova e controversa Lei de Segurança Online (Online Safety Act) do Reino Unido, desenhada para forçar as plataformas digitais a assumirem responsabilidade pelo conteúdo que alojam, acaba de mostrar os seus dentes pela primeira vez. A Ofcom, a entidade reguladora das comunicações britânica, emitiu a sua primeira multa ao abrigo desta nova lei, e o alvo não podia ser mais simbólico: o 4chan, o infame e anónimo fórum de imagem, conhecido por ser um dos cantos mais selvagens e desregulados da internet.
A multa, no valor de 20.000 libras (cerca de 23.500 euros), não foi aplicada por causa do conteúdo do site, mas sim pela sua total recusa em colaborar com a investigação do regulador. Este é o primeiro tiro num braço de ferro que promete ser longo e que opõe a ambição de um governo de regular a internet à filosofia de liberdade de expressão absoluta de uma das plataformas mais desafiadoras do mundo.
Porque é que o 4chan foi multado? A recusa em colaborar
A investigação da Ofcom ao 4chan começou em junho, após queixas sobre a presença de conteúdo ilegal na plataforma. Ao abrigo da nova lei, que entrou em vigor em março, a Ofcom tem o poder de exigir que as plataformas forneçam informações sobre as suas operações. Neste caso, o regulador pediu duas coisas ao 4chan:
- Uma cópia da sua avaliação de risco sobre danos ilegais, um documento onde a plataforma deveria detalhar como lida com o risco de ter conteúdo ilegal no seu site.
- Informação sobre as suas receitas globais, um dado crucial para a Ofcom calcular futuras multas, que podem ser proporcionais ao tamanho da empresa.
A resposta do 4chan foi o silêncio. A plataforma ignorou completamente os pedidos do regulador, uma atitude de desafio que levou à aplicação desta primeira multa. E a penalização não se fica por aqui: a Ofcom irá aplicar uma multa adicional de 100 libras por cada dia que o 4chan continuar a não fornecer a informação.

Um choque de filosofias: a “liberdade de expressão” contra a segurança online
A atitude do 4chan não é apenas negligência; é uma posição ideológica. Em agosto, a empresa tomou a iniciativa de processar a própria Ofcom, argumentando que a aplicação da lei britânica a uma plataforma americana viola a liberdade de expressão garantida pela Constituição dos Estados Unidos.
Este caso representa, portanto, um choque frontal entre duas visões do mundo. De um lado, o governo do Reino Unido e a Ofcom, que, com o apoio da Secretária de Estado Liz Kendall, veem esta lei como uma ferramenta essencial para “proteger as crianças de material nocivo” e para forçar a remoção de conteúdo ilegal. Do outro, o 4chan, que se posiciona como um bastião da liberdade de expressão anónima e sem filtros, resistindo a qualquer tentativa de regulação externa.
A nova lei já está a ter impacto (mesmo sem multas)
O caso do 4chan é o mais mediático, mas o relatório da Ofcom sobre as suas primeiras investigações revela que a nova lei já está a ter um impacto profundo noutras plataformas, que têm adotado duas estratégias distintas para lidar com a nova realidade.
- A Estratégia da Colaboração: Dois serviços de partilha de ficheiros, que estavam a ser investigados por preocupações “sérias” relacionadas com material de abuso sexual infantil (CSAM), optaram por colaborar. Implementaram novas ferramentas automáticas para detetar e remover rapidamente este tipo de conteúdo, e a Ofcom encerrou os seus casos.
- A Estratégia da Fuga: Quatro outros serviços de partilha de ficheiros, sob a mesma investigação, tomaram uma decisão mais drástica. Em vez de se adaptarem à lei, optaram por bloquear geograficamente o acesso a partir do Reino Unido. Essencialmente, decidiram que o mercado britânico já não valia o esforço de cumprir as novas e exigentes regras.
Este primeiro relatório da Ofcom mostra que a Lei de Segurança Online, para o bem e para o mal, está a funcionar como um catalisador de mudança. Está a forçar as empresas a agir, seja para melhorarem os seus sistemas, seja para abandonarem o mercado. A batalha com o 4chan, no entanto, está apenas a começar e promete ser o grande teste à capacidade de um país de impor as suas leis a um gigante anónimo da internet global.
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