A Wikipédia, a enciclopédia digital que se tornou o primeiro porto de escala para qualquer dúvida na internet, está a sentir o impacto da revolução da inteligência artificial. A Wikimedia Foundation, a organização sem fins lucrativos por trás do projeto, anunciou que as visualizações do seu site caíram cerca de 8% entre março e agosto deste ano, em comparação com o mesmo período do ano passado. E a culpada, segundo a própria fundação, é a IA generativa.
A notícia não é apenas um número; é o primeiro sinal claro de que os novos modelos de IA, como o ChatGPT da OpenAI e os Resumos de IA da Google, estão a alterar fundamentalmente a forma como as pessoas procuram e consomem informação online.
A “morte” do clique: o impacto dos assistentes de IA
O problema, como explica a Wikimedia, é simples: se uma ferramenta de IA te dá a resposta que procuras diretamente numa caixa de conversa, qual é a necessidade de abrires um novo separador, pesquisares no Google, clicares num link da Wikipédia e leres o artigo inteiro? A resposta é que, para muitas pesquisas rápidas, essa necessidade desaparece.
A plataforma afirmou no seu blogue que “está a observar declínios nas visualizações de humanos na Wikipédia ao longo dos últimos meses”, e que acredita que isto reflete “o impacto da Inteligência Artificial generativa e das redes sociais na forma como as pessoas procuram informação”.
Se te lembras da conversa que tivemos sobre o novo “Modo IA” da Pesquisa Google, que te dá respostas diretas, percebes imediatamente o fenómeno. Os utilizadores estão a pedir à IA para fazer o trabalho de curadoria de informação que antes lhes competia a eles, e a Wikipédia é uma das principais fontes de dados que estas IAs consultam.

A Ironia: a IA precisa da Wikipédia para existir
O aspeto mais fascinante desta história é a posição paradoxal da própria Wikipedia. Num momento em que a sua audiência está a diminuir devido à IA, um dos seus diretores, Marshall Miller, admite que a sua missão é, na verdade, ser a fonte de conhecimento para estes sistemas.
“Penso que será muito mais fácil criar ‘lixo’ e ficará mais difícil distinguir se algo foi feito por uma IA ou por um humano na internet”, disse Miller numa entrevista. A sua declaração é uma admissão clara da ameaça que a proliferação de conteúdo gerado por IA representa para a confiança e qualidade da informação online.
No entanto, ele mantém uma visão otimista, afirmando que é bom que o conhecimento chegue às pessoas de novas formas, seja através de chatbots ou de novas plataformas. Para a Wikimedia, a missão de partilhar conhecimento gratuito sobrepõe-se à necessidade de obter visualizações diretas no seu site.
A concorrência direta: entra em cena a “Grokipedia”
A situação torna-se ainda mais interessante com o lançamento de alternativas. O artigo menciona que a Grokipedia, a versão da ferramenta de IA de Elon Musk, a Grok, funciona de forma semelhante, utilizando conteúdo que parece ser extraído diretamente da Wikipédia.
Isto coloca a Wikipédia numa posição defensiva sem precedentes. Não está apenas a competir com outros motores de busca como o Google ou o Bing; está a competir com um ecossistema inteiro de IAs que usam o seu conteúdo para fornecer respostas, sem lhes dar o crédito (ou o tráfego) que antes obtinham.
O dilema da transparência e do futuro do conhecimento
Apesar de a equipa da Wikimedia ver com bons olhos que o seu conhecimento seja usado, a falta de visitas diretas levanta preocupações sobre a sustentabilidade do projeto. A Wikipédia depende de doações e do envolvimento da comunidade, e a diminuição do tráfego pode, a longo prazo, afetar a sua capacidade de angariar fundos e de manter os seus voluntários motivados.
A Google, com as suas “Vistas Gerais de IA” no motor de pesquisa, também está a redirecionar o tráfego, mas a sua abordagem parece ser a de direcionar os utilizadores para as fontes. A questão é saber se as novas IAs farão o mesmo, ou se simplesmente usarão a informação para gerar respostas proprietárias, criando um ciclo vicioso onde a Wikipédia treina a IA que, por sua vez, a torna obsoleta.
No final, esta tendência é um espelho do momento tecnológico em que vivemos. A Google, a OpenAI e a própria xAI de Elon Musk estão a construir as novas autoestradas da informação. E a Wikipédia, a antiga autoestrada principal, vê-se agora a assistir ao tráfego a passar por novas vias, sem saber se os seus pedágios continuarão a ser pagos.
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