Estudo encontra a “melhor evidência” disponível de que o fortalecimento e o enfraquecimento das conexões entre neurônios compõem o alicerce da formação e perda das memórias. Em experimentos — cujas conclusões foram publicadas online em 1º de junho na Nature — uma equipe de pesquisadores utilizou luz para manipular a memória de ratos, ajudando a demonstrar uma teoria amplamente aceita pela neurociência.
Nos anos 1960 e 1970, pesquisadores observaram que a passagem de correntes elétricas repetidas pode aprimorar as conexões (sinapses) entre os neurônios da região cerebral conhecida como hipocampo. O fenômeno, denominado potenciação de longa duração (long-term potentiation — LTP), contribui para a plasticidade sináptica, habilidade característica das células cerebrais que as torna suscetíveis à mudança de intensidade nas conexões com outras células. Tal habilidade deu à LTP a condição de potencial base física da memória, e sua natureza apontou para a possibilidade de que a informação pudesse ser armazenada e relembrada posteriormente no hipocampo.
Até hoje, os neurocientistas haviam testado a hipótese do efeito da LTP sobre a memória através do bloqueio genético ou químico da estrutura molecular que leva à potenciação de longa duração, enfraquecendo a formação de memórias. No entanto, especula Robert Malenka, neurobiólogo da Universidade Stanford, na Califórnia, a prova da relação causal entre a LTP e a constituição de memórias, de uma forma na qual a primeira seja absolutamente necessária para a segunda, “tem sido extremamente difícil, senão impossível, de gerar”.
Agora, o pesquisador Roberto Malinow, da Universidade da Califórnia em San Diego, e sua equipe modificaram geneticamente um vírus, inserindo nele um gene que produz certa proteína sensível à luz e, em seguida, injetaram o vírus em neurônios de ratos de laboratório; conforme o gene codificou a proteína, foi possível ativá-la com um pulso de luz azul emitido por uma fibra óptica previamente instalada nos cérebros.
O objetivo dos especialistas era realizar um experimento de condicionamento por meio da luz. Normalmente, esse tipo de experimento leva os animais a relacionar experiências distintas como, por exemplo, determinado som e um choque elétrico — produzindo um medo que se segue à captação do som (saiba mais sobre o condicionamento e a memória do medo aqui). Malinow e seus pares produziram o mesmo tipo de sensação enviando luz para os neurônios que conectam uma região cerebral envolvida no processamento de sons e outra, que controla o medo. Depois, a aplicação de descargas elétricas fez com que o animal retivesse a memória de algo que ele “nunca haviam sentido antes”, segundo o pesquisador.
Nas sinapses, verificaram-se alterações moleculares particularmente associadas à LTP, porém, para comprovar a atuação desta na formação da memória, restava apagá-la e restaurá-la: o procedimento de esquecimento também foi promovido por pulsos de luz em uma sequência reconhecidamente atrelada à LTD, sigla em inglês para a depressão de longa duração (long-term depression), fenômeno oposto ao da LTP que enfraquece as conexões sinápticas. Novos pulsos de luz recriaram a memória do medo, fato que Malinow compara metaforicamente a um “iôiô” da memória.
Eric Kandel, neurocientista da Universidade Columbia em Nova York e vencedor do Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina, em 2000, por seu trabalho na descoberta das bases moleculares da memória, não se envolveu no estudo de Malinow, mas o considera “a melhor evidência atualmente disponível” de que a LTP possui função efetiva no armazenamento da memória, podendo ser desfeita pela depressão de longa duração.
Malinow acredita ter motivos para celebrar, embora Mark Mayford, pesquisador do Instituto de Pesquisas Scripps, também na Califórnia, alerte para a probabilidade de que outros mecanismos moleculares estejam envolvidos na retenção de memórias mais complexas, como as relacionadas ao senso de localização, formadas em regiões cerebrais distintas das que provocam o medo.
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