Um relatório recente aponta o setor como estratégico para reduzir a dependência dos EUA, mas alerta para desafios estruturais.
O ecossistema europeu de deeptech — tecnologias baseadas em avanços científicos profundos — atraiu 15 mil milhões de euros em capital de risco em 2024, segundo um estudo das consultoras Lakestar e Dealroom. Este valor representa quase um terço do total investido em startups no continente, sinalizando uma mudança de prioridades nos mercados.
Dados-chave do relatório:
- Fusões e aquisições no setor totalizaram 12,2 mil milhões de dólares
- 50% do financiamento de crescimento vem de fora da Europa
- 78% das saídas de sucesso (exits) dependem de empresas norte-americanas
Lukas Leitner, investidor da Lakestar e coautor do estudo, destaca o paradoxo: “Temos instituições de pesquisa de topo e talento técnico excecional, mas faltam fundadores experientes em empresas de base científica”. Esta imaturidade contrasta com o “efeito volante” dos EUA, onde ex-funcionários de gigantes como Google criam novas empresas sucessivas.

Fotónica e IA aberta: trunfos na manga
Enquanto a Europa enfrenta limitações em capacidade computacional para IA, especialistas apontam alternativas. Leitner sublinha a liderança em fotónica integrada: “Temos sistemas laser avançados e pesquisa fundamental sólida nesta área, crucial para processamento quântico”. Já Arnaud de la Tour, CEO da Hello Tomorrow, cita o DeepSeek — modelo de IA open-source europeu — como prova do potencial local em inteligência artificial.
A fuga de cérebros inversa surge como oportunidade. Cortes orçamentais na Fundação Nacional de Ciência dos EUA (NSF), que perdeu metade do financiamento sob a administração Trump, poderão trazer investigadores de topo para o continente. “Muitos cientistas sem emprego nos EUA consideram a Europa como destino”, confirma de la Tour.
Políticas públicas: o elo em falta
Ambicionar a autonomia exige mudanças estruturais. O relatório recomenda:
1. Incentivos fiscais para investidores em projetos de alto risco
2. Programas-piloto governamentais como primeiros clientes de deeptech
3. Simplificação de processos de spin-off académico
Leitner alerta para a cultura de aversão ao risco: “Precisamos de tolerar mais falhas estratégicas, como fazem em Silicon Valley”. A burocracia na comercialização de patentes universitárias e a fragmentação regulatória entre estados-membros da UE surgem como entraves adicionais.
Apesar dos obstáculos, o setor mostra vitalidade. Startups como a francesa Pasqal (computação quântica) e a alemã BioNTech (biofarmacêutica) ilustram a capacidade de transformar ciência em produtos globais. Resta saber se a Europa conseguirá reter estes sucessos dentro das suas fronteiras, evitando aquisições por conglomerados estrangeiros — o verdadeiro teste à sua ambição de autonomia tecnológica.
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