Nos últimos dias, a Meta publicou uma série de artigos técnicos que mergulham no desenvolvimento dos óculos de realidade aumentada Orion.
Esta transparência é incomum num setor obcecado por sigilo — e pode ser um sinal de mudança na forma como as empresas comunicam projetos em fase experimental.
Os processadores personalizados que desafiam as leis da física
O primeiro artigo, intitulado “Como os nossos processadores personalizados estão a mudar a realidade aumentada”, revela que a equipa do Reality Labs optou por desenvolver silício customizado para resolver dois problemas críticos: o consumo energético e a dissipação de calor.
Robert Shearer, diretor de soluções de sistemas integrados, explica que foi necessário reduzir o consumo de energia em 100 vezes para tornar os Orion viáveis. Para atingir este objetivo, a equipa:
- Desenvolveu protocolos de compressão de dados para minimizar a transferência de informação entre os óculos e o módulo de computação externo.
- Implementou algoritmos de machine learning para otimizar o rastreamento de mãos e olhos sem sobrecarregar a bateria.
- Criou um chip de gestão de energia adaptado ao espaço minúsculo das hastes dos óculos.
Curiosamente, a Meta admite que parte destas soluções surgiram depois de rumores internos sugerirem que a empresa abandonaria o desenvolvimento de hardware próprio — um debate que ganhou força após parcerias com empresas como a MediaTek.

Do vidro tradicional ao carbeto de silício: uma revolução nos materiais
O segundo artigo, “Os guias de onda de carbeto de silício e o caminho para um campo de visão amplo”, explora como a Meta adaptou um material inicialmente criado para carros elétricos.
Pasqual Rivera, responsável pela área ótica, compara as lentes tradicionais de AR a um “espetáculo de discoteca” devido aos reflexos iridescentes. O carbeto de silício, com um índice de refração de 2.7 (contra 1.8 do vidro), permitiu:
- Eliminar “imagens fantasmas” e distorções.
- Reduzir o número de camadas necessárias nos ecrãs holográficos.
- Melhorar a condutividade térmica, evitando sobreaquecimento.
Apesar das vantagens, Barry Silverstein admite que o custo de produção ainda é proibitivo. Esta explicação técnica ajuda a entender por que dispositivos como os Ray-Ban Meta atuais ainda não incluem realidade aumentada avançada.
Por que um módulo externo era inevitável
O terceiro artigo aborda o módulo de computação sem fios, descartando o uso de smartphones como fonte de processamento. Neeraj Choubey, diretor de gestão de produto, argumenta que:
- A bateria do telemóvel seria drenada em minutos.
- Sensores avançados (como os de movimento 6DoF) exigem potência dedicada.
- A latência seria incompatível com experiências imersivas.
Originalmente, o módulo incluía haptics e funcionalidades de controlo para jogos, mas a Meta focou-se em prioridades maiores: o rastreamento biométrico e a integração com a pulseira EMG (que deteta sinais neuromusculares). Restrições à parte, a empresa deixa em aberto a possibilidade de entusiastas reativarem funções “ocultas”.
Transparência como estratégia: uma viragem cultural
Esta abertura contrasta com os anos de segredos e despedimentos de funcionários por fugas de informação. Entre 2022 e 2023, a Meta chegou a ameaçar legalmente colaboradores que partilhavam detalhes sobre projetos como o Quest 4 ou óculos em parceria com a Oakley.
Agora, ao explicar publicamente os desafios técnicos — desde a microengenharia dos pixels até à escassez de carbeto de silício —, a empresa cumpre dois objetivos: educar o público sobre a complexidade da AR e gerar expectativa para produtos que só chegarão ao mercado em 2027 ou além.
Resta saber se esta filosofia se aplicará a outros projetos. Enquanto gigantes como a Valve mantêm total silêncio sobre dispositivos como o Deckard, a Meta parece ter percebido que explicar o “como” e o “porquê” pode ser tão importante quanto anunciar o “quando”.
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