As ondas de rádio AM podem causar interferência na “bússola” interna de aves migratórias. Um amplo experimento com piscos-de-peito-ruivo demonstrou que estes pássaros ficam desorientados quando expostos a campos magnéticos de intensidades muito abaixo do limite seguro para humanos, levando especialistas a crer que certas frequências de ondas eletromagnéticas têm o poder de afetar o comportamento animal.
Como muitas aves migratórias, o pisco-de-peito-ruivo europeu utiliza o campo magnético da Terra para navegar — capacidade conhecida como magnetorecepção —, porém, ate hoje os pesquisadores não estavam certos de que os campos magnéticos gerados pela ação humana influenciam tal habilidade. (No entanto, sabe-se que os piscos podem “desligar” a magnetorecepção quando esta pode confundi-los naturalmente, como no caso de um local onde a força do campo magnético terrestre seja drasticamente alterada).
Em artigo publicado na Nature, biólogos da Universidade de Oldenburg, na Alemanha, argumentaram que as ondas de rádio de baixa intensidade (banda empregada nas transmissões AM) são capazes de bloquear a orientação da bússola dos piscos europeus.
Problemas de navegação
O estudo no qual a conclusão acima se baseia envolveu sete anos de testes duplo-cegos, e começou de maneira inusitada: enquanto pesquisava as partes do cérebro possivelmente envolvidas na assimilação das informações da bússola interna, o co-autor do atual estudo, Henrik Mouritsen, reparou que, durante as estações da primavera e do outono, o impulso para migrar era muito forte, fazendo com que os pássaros capturados disparassem na direção do fluxo migratório, muitas vezes arranhando a parte inferior das gaiolas.
Inversamente, quando postas em pequenas casas de madeira no campus da universidade, as aves pareciam ter perdido a orientação, fato que intrigou os cientistas. Depois de tentar “reiniciar” a navegação dos pássaros com outros métodos (mudando a alimentação, por exemplo), a equipe cogitou que os aparelhos eletrônicos do ambiente universitário poderiam ser os culpados pela interrupção da orientação.
Mouritsen e seus colegas decidiram forrar as casinhas de madeira com alumínio e instalar nelas um sistema de terra elétrico, com o objetivo de neutralizar a incidência das ondas eletromagnéticas sobre os lares dos piscos-de-peito-ruivo, permitindo que apenas o campo magnético da Terra chegasse às aves. O recurso funcionou, e elas voltaram a se orientar por esse campo.
Para aumentarem o grau de certeza das observações, os pesquisadores realizaram experimentos duplo-cegos: estudantes foram divididos e acompanharam pássaros em casas de madeira que haviam, ou não, recebido os cabos elétricos responsáveis pelo efeito terra; ainda, nenhum estudante sabia com que tipo de lar estava trabalhando.
“As condições foram repetidas com diferentes gerações de estudantes”, diz Mouritsen, para assegurar que os dados documentados por eles não eram enviesados, mas “reais”.
A introdução de aparelhos de emissão de radiação eletromagnética em uma casa forrada com alumínio apontou para possíveis causas da desorientação, sendo a principal delas a faixa de frequências produzida por estações de rádio AM — mil vezes mais fraca do que a emitida por aparelhos celulares (telemóveis) e 400 vezes mais forte quando comparada à gerada por linhas de transmissão de eletricidade. Roswitha Wiltschko, pesquisadora da navegação das aves da Universidade de Frankfurt, afirma ser “surpreendente” a existência “de um campo perturbador tão forte”
Perigo iminente?
O número de espécies migratórias da Europa vem diminuindo, suspeita-se, em decorrência da perda dos ambientes habitados por elas. A descoberta dos pesquisadores de Oldenburg sugere que a poluição eletromagnética humana pode, também, provocar o declínio da quantidade dessas espécies, embora o processo possa estar limitado ao município alemão. A questão levantada pelo trabalho vai além:
“Charlatões de hoje em dia indubitavelmente tomarão este estudo como um argumento para o banimento do uso dos telefones móveis, apesar das diferentes bandas de frequência envolvidas”, alega Joseph Kirschvink, cientista do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech). Na sua visão, uma resposta mais positiva seria a de abolir gradualmente o uso de bandas críticas para a magnetorecepção.
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