Na discussão (ainda) interminável sobre EVs – e digo “ainda” porque, em breve, deixará de haver discussão, uma vez que os ICE vão acabar de vez na Europa – as pessoas esquecem-se frequentemente de que não é possível fazer comparações diretas entre automóveis elétricos e carros com motores a combustão interna.
Claro que, como se costuma dizer, “esquece muito a quem não sabe”. O problema destas discussões é que frequentemente são protagonizadas por pessoas que nunca andaram em automóveis elétricos. E eu entendo: antes de conduzir um EV, eu também tinha algumas ideias preconcebidas sobre eles. Felizmente, a primeira vez que conduzi um foi em 2011 e, a partir daí, percebi que tinha visto o futuro; restava saber quando seria possível tornar esse futuro o meu presente – o que só veio a acontecer 10 anos depois.
As reticências perante os EV surgem sobretudo devido a alguns equívocos que vale a pena desfazer. Sobre alguns deles (caso da autonomia, do carregamento ou da longevidade das baterias) já aqui falei, direta ou indiretamente em artigos anteriores.
Mas alguns dos mitos são persistentes, pelo que vale a pena aqui abordá-los. Antes de continuarmos, no entanto, sugiro a alguns dos meus leitores mais céticos que visitem um concessionário e peçam um “test drive” com um EV. Nada melhor do que conduzir um para perceber o que estão a perder.
Automóveis elétricos: Os mitos:
- Um EV nunca dará uma satisfação de condução como um ICE
Não vou discutir o que, no final do dia, é algo muito pessoal. No entanto eu, que já fui um “petrol head”, que tinha posters de carros no quarto quando era adolescente e que durante décadas comprei jornais e revistas de automóveis, fiquei muito surpreendido quando conduzi um EV pela primeira vez. A aceleração brutal proporcionada por um motor elétrico é algo que só é possível sentir com automóveis convencionais muito potentes – e caros! Mas está ao nosso dispor em praticamente qualquer EV de qualquer preço, mesmo nos mais modestos.
- Os EVs têm caixas automáticas e eu não gosto de caixas automáticas
Este é um equívoco frequente, que os próprios fabricantes involuntariamente ajudam a propagar. A verdade é que os EVs não têm caixas automáticas. Aliás, em rigor, não têm caixa de velocidades! O que têm é uma velocidade única, ou seja, uma relação de desmultiplicação fixa entre a rotação do motor e a que é transmitida às rodas (há uma exceção: a caixa do Porsche Taycan). A diferença é simples: uma caixa automática tem várias velocidades (4, 5, 6, 7, 8… ou até “velocidades ilimitadas” no caso das caixas de variação contínua) que são engrenadas automaticamente; nos EVs isto não acontece, porque há uma única velocidade.
Porque é que isto sucede? Porque num motor de combustão interna, a potência máxima (e o binário máximo) é apenas obtida a um determinado regime de rotações; e usamos a caixa de velocidades, automática ou manual, para manter o motor no regime ótimo de forma a dele podermos tirar o melhor partido possível.
Pelo contrário, num motor elétrico, a potência máxima (em rigor, o binário máximo) está disponível desde 0 rpm. E é essa a razão pela qual não é necessária, nos automóveis elétricos, uma caixa com várias velocidades.
- Os EVs só têm um pedal, e isso não faz sentido
A esmagadora maioria das pessoas usa o seu automóvel durante a maior parte do tempo para se deslocar em ambiente urbano. E, em ambiente urbano, conduzir um EV é muitíssimo menos penalizante do que conduzir um automóvel convencional, porque basicamente a condução é feita com um único pedal.
Mas isso não significa que os automóveis elétricos tenham só um pedal; têm dois: o acelerador e o travão! O que significa é que, devido à regeneração proporcionada pelo motor elétrico, o simples facto de levantarmos o pedal do acelerador, provoca uma desaceleração significativa do veículo – que, por seu lado, irá recarregar a bateria. E, na maior parte dos casos, acabamos por raramente precisar de usar o pedal do travão.
- Os automóveis elétricos – EVs – são muito pesados quando comparados com os ICE
Verdade. Mas o peso, ditado pelas baterias, é colocado no piso do veículo, o que baixa o seu centro de gravidade, fazendo com o que o peso adicional não comprometa o seu comportamento em estrada, como aconteceria com um automóvel convencional.
- Os EVs não fazem barulho nem cheiram a gasolina
Sobre isso, nada posso fazer. Mas, se é esse o argumento que vos sobra, se calhar, é porque ficaram sem argumentos.
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