A administração de Donald Trump voltou a colocar a tecnologia no centro da sua política migratória com a adjudicação, sem concurso público, de um contrato de quase 30 milhões de dólares à empresa Palantir. O objetivo: desenvolver um novo sistema informático, o ImmigrationOS, para monitorizar e acelerar a deportação de imigrantes nos Estados Unidos.
Este acordo, celebrado com urgência, exige que a Palantir apresente um protótipo funcional até 25 de setembro. Segundo os documentos oficiais, o Serviço de Imigração e Controlo de Alfândegas (ICE) justificou a escolha direta da empresa argumentando que esta é a única capaz de cumprir o prazo apertado, graças à sua longa experiência com integração de dados provenientes do próprio ICE, do Departamento de Segurança Interna e de outras entidades.

Um sistema para acompanhar todo o ciclo migratório
O ImmigrationOS foi concebido para desempenhar duas funções principais. Por um lado, pretende agilizar a deteção e detenção de imigrantes considerados prioritários, como alegados membros de grupos criminosos ou pessoas com vistos expirados. Por outro, a plataforma vai permitir o acompanhamento em tempo real de todo o percurso de um imigrante, desde a sua identificação até à eventual expulsão do território norte-americano, incluindo os chamados processos de “autodeportação”.
A Palantir, cofundada em 2003 por Peter Thiel — também mentor do atual vice-presidente dos EUA, JD Vance —, tem um histórico de colaboração com as autoridades migratórias norte-americanas. O nome da empresa remete para as esferas mágicas de “O Senhor dos Anéis”, que tudo viam. E é precisamente essa capacidade de vigilância que está agora no centro do debate público.
Críticas crescentes à vigilância digital da imigração
A decisão da Administração Trump provocou forte controvérsia nas redes sociais e entre especialistas em direitos digitais. Paul Graham, cofundador da aceleradora Y Combinator, não poupou críticas à Palantir, acusando-a de estar a construir “a infraestrutura de um estado policial”.
Em resposta, Ted Mabrey, executivo da Palantir, minimizou a polémica e recordou que outras empresas tecnológicas, como a Google, também se viram envolvidas em disputas éticas. A referência foi ao caso de 2018, quando a gigante tecnológica se afastou do Project Maven — uma colaboração com o Pentágono — após protestos internos contra a aplicação militar da inteligência artificial.
Mas os alertas não vêm apenas do sector tecnológico. Instituições como a Amnistia Internacional já classificaram o ImmigrationOS como uma ameaça séria aos direitos humanos. Ricard Martínez, especialista em privacidade e transformação digital da Universidade de Valência, foi taxativo: considera o sistema “uma aberração”.
Casos concretos geram indignação pública
A implementação do ImmigrationOS surge num contexto de críticas cada vez mais intensas à forma como o governo de Trump tem conduzido a sua política migratória. Um dos casos que mais indignação gerou foi o de Kilmar Abrego García, cuja readmissão no país foi recusada apesar de uma ordem do Supremo Tribunal dos EUA. Também estudantes estrangeiros legalmente residentes foram detidos por participarem em manifestações sobre o conflito entre Israel e Hamas, o que levanta preocupações adicionais sobre liberdade de expressão e repressão política.
Este novo capítulo na relação entre tecnologia e controlo migratório mostra como as fronteiras digitais se tornaram tão relevantes quanto as geográficas. E levanta a questão: até que ponto pode um sistema informático decidir o destino de milhares de pessoas sem comprometer os princípios fundamentais da democracia?
Outros artigos interessantes: