Durante quase vinte e cinco anos, a guerra das consolas definiu a indústria dos videojogos. A batalha titânica entre a Xbox, a PlayStation e a Nintendo, com as suas legiões de fãs leais e as suas batalhas por exclusivos, foi o motor da inovação e da conversa. Agora, a Microsoft parece estar pronta para declarar unilateralmente o fim dessa guerra. Numa declaração surpreendente que assinala uma mudança fundamental na sua estratégia, o presidente da Xbox, Matt Booty, afirmou que os verdadeiros concorrentes da sua plataforma já não são a Sony e a Nintendo, mas sim o TikTok e os filmes.
Esta afirmação, que pode parecer chocante à primeira vista, é na verdade o culminar lógico de uma transformação que a marca Xbox tem vindo a sofrer nos últimos anos. A Microsoft já não se vê como uma simples fabricante de consolas; vê-se como uma gigante do entretenimento a lutar pela tua atenção num mundo digital cada vez mais fragmentado.

O fim da era da exclusividade: a Xbox em todo o lado
Para entender esta nova visão, é preciso olhar para as ações da Microsoft nos últimos anos. A empresa tem vindo, de forma metódica, a desmantelar as muralhas que definiam o seu “jardim fechado”.
De rival a parceira? Os jogos Xbox na PlayStation
O sinal mais claro desta mudança foi a decisão, outrora impensável, de começar a lançar alguns dos seus jogos first-party nas consolas da concorrência. Ver títulos como Sea of Thieves ou Hi-Fi Rush a tornarem-se sucessos de vendas na PlayStation 5 seria heresia há alguns anos. Hoje, é a prova de que a Microsoft prioriza o alcance do seu software sobre a venda do seu hardware. Os rumores recentes sobre um remake de Halo a chegar à PS5, embora ainda não confirmados, seriam o derradeiro símbolo desta nova era.
O ecossistema acima da caixa
A Xbox deixou de ser apenas a “caixa” preta ou branca que tens debaixo da televisão. Tornou-se num ecossistema que se estende a múltiplos dispositivos:
- Xbox Cloud Gaming: A promessa de “transformar qualquer coisa numa Xbox”, permitindo-te jogar títulos do Game Pass no teu smartphone, tablet ou TV, sem precisares de uma consola.
- PC: A aplicação Xbox no PC está a tornar-se um hub central, não só para os jogos do Game Pass, mas também para agregar as tuas bibliotecas de outras lojas, como a Steam e a Epic Games Store.
- Consolas Portáteis: A recente parceria com a Asus para lançar a ROG Xbox Ally, com uma experiência de software otimizada, mostra a vontade de levar a marca Xbox para novos formatos de hardware.
A batalha pela tua atenção: quem são os verdadeiros rivais?
É neste contexto que a declaração de Matt Booty faz todo o sentido. Se a Xbox já não se define pela sua consola, mas sim como uma plataforma de entretenimento acessível em qualquer ecrã, então a sua concorrência deixa de ser apenas as outras plataformas que também correm videojogos. A batalha passa a ser pelo recurso mais escasso e valioso do século XXI: o teu tempo livre e a tua atenção.
“Quem é o nosso concorrente? É o TikTok, são os filmes. Não é a Sony e a Nintendo”, afirmou Booty na entrevista ao New York Times.
Nesta nova arena, a Xbox está a lutar contra todas as outras formas de entretenimento que disputam o teu tempo. Cada hora que passas a ver vídeos no TikTok, a fazer binge-watching na Netflix ou a ir ao cinema é uma hora que não estás a passar no ecossistema Xbox. A estratégia da Microsoft passa, portanto, por tornar o acesso aos seus jogos tão fácil e omnipresente que consiga roubar minutos e horas a estas outras atividades.
Um regresso ao futuro (que falhou em 2013)?
Curiosamente, esta não é a primeira vez que a Microsoft tenta posicionar a Xbox como mais do que uma simples consola de jogos. Quem se lembra da infame apresentação da Xbox One na E3 de 2013 recordará a enorme ênfase dada às funcionalidades de TV, filmes e multimédia.
Na altura, a reação dos jogadores foi esmagadoramente negativa. Sentiram que a Microsoft estava a abandonar o seu foco nos jogos em favor de se tornar num centro de entretenimento genérico. O “tiro” saiu pela culatra e contribuiu para a derrota inicial da Xbox One na guerra contra a PlayStation 4.
Agora, mais de uma década depois, a Microsoft parece estar a revisitar essa visão, mas com uma abordagem diferente. Em vez de forçar as funcionalidades multimédia numa consola de jogos, está a transformar a própria marca Xbox numa entidade multimédia que vive para além da consola.
Se esta estratégia terá sucesso, só o tempo o dirá. Mas uma coisa é certa: a próxima vez que vires uma “guerra de consolas” a explodir online, lembra-te que, para a Microsoft, essa batalha já pertence ao passado. A verdadeira guerra, a guerra pela tua atenção, está a ser travada numa frente muito mais vasta.
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