As respostas instantâneas fornecidas pela inteligência artificial da Google, conhecidas como “AI Overviews”, parecem ser um avanço notável na forma como acedes à informação. No entanto, por trás desta conveniência, surge uma acusação grave por parte da comunidade de publicações independentes: a Google poderá estar a usar a sua tecnologia para cortar drasticamente o tráfego destes websites, colocando em risco a sua sobrevivência. A gratuidade das respostas da IA parece ter um custo oculto que ameaça as fundações da web e o futuro do conteúdo original.
Esta denúncia foi detalhada num relatório de Nate Hake, fundador da plataforma de viagens Travel Lemming. Hake argumenta que a Google não está apenas a melhorar a sua pesquisa, mas a redesenhar o ecossistema de informação para seu próprio benefício, o que pode ser visto como uma forma de censura algorítmica que marginaliza as vozes mais pequenas da internet.
Uma estratégia que ameaça os criadores independentes
O centro da alegação de Hake é que a Google implementou, de forma estratégica, uma série de atualizações ao seu algoritmo entre 2023 e 2024. Segundo ele, estas mudanças não visavam apenas melhorar a qualidade geral dos resultados, mas sim preparar o terreno para um futuro centrado na IA.
A mudança é profunda: em vez de te encaminhar para outros websites, a Google passa a dar-te a resposta diretamente na sua página de resultados. Para os criadores de conteúdo, o efeito tem sido devastador, com muitos a relatarem quebras de tráfego superiores a 95%.
A cronologia de uma mudança radical
Imagina passares anos a construir um website de referência, com conteúdo único e valioso, para depois veres a tua principal fonte de visitantes desaparecer da noite para o dia. Hake descreve esta como a realidade de milhares de pequenos criadores.
A cronologia que ele apresenta é particularmente preocupante: depois de inicialmente promover conteúdo “feito por pessoas, para pessoas”, a Google removeu discretamente esta diretriz em setembro de 2023. De seguida, implementou mudanças no algoritmo que, na visão de Hake, dizimaram o tráfego dos sites independentes.
Por fim, em 2024, concluída esta fase de “demolição”, a empresa lançou oficialmente as AI Overviews, que resumem o conteúdo de terceiros e diminuem o incentivo para o utilizador clicar e visitar a fonte original.
Dois pesos e duas medidas
O relatório de Hake aponta ainda para um tratamento diferenciado que levanta questões sobre a transparência da Google. Enquanto os sites independentes enfrentam “shadowbans” silenciosos, sem um processo de recurso claro, as grandes organizações de comunicação social terão recebido um tratamento distinto, com avisos prévios e a possibilidade de recorrer de penalizações.
O caso do Reddit é particularmente revelador. No preciso momento em que os sites independentes viam o seu tráfego cair a pique, o tráfego do Reddit disparou. Isto aconteceu pouco antes de a Google anunciar um acordo de licenciamento de 60 milhões de dólares com a plataforma. Hake sugere que isto não foi uma coincidência, mas uma manobra para garantir o conteúdo de grandes entidades para treinar os seus modelos de IA, à custa dos criadores mais pequenos.
A resposta da Google e um futuro incerto
Numa admissão surpreendente, a Google terá convidado Hake e outros editores afetados para uma reunião em outubro de 2024. Aí, a empresa pediu desculpa, reconhecendo que as quebras de tráfego não eram culpa dos criadores.
Contudo, o pedido de desculpas veio acompanhado de uma realidade fria: o tráfego perdido talvez nunca seja recuperado, porque a pesquisa “mudou permanentemente com a IA”. Esta afirmação solidifica a preocupação dos criadores.
Se o seu trabalho já não gera o tráfego essencial para a sua sobrevivência, que incentivo resta para continuar a produzir conteúdo? Esta “mudança permanente” pode significar o fim da internet como um espaço aberto e diversificado, passando o controlo da informação a estar concentrado nas mãos de uma única entidade.
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