A França está a preparar-se para lançar uma das suas mais fortes ofensivas de sempre contra a pirataria na internet. O Senado francês deu luz verde a um novo projeto de lei que promete mudar radicalmente a forma como o país combate a distribuição ilegal de conteúdos, visando em particular as transmissões desportivas ao vivo, um dos maiores quebra-cabeças para os detentores de direitos.
Esta nova abordagem legislativa aposta na agilidade e na automação, permitindo o bloqueio de endereços IP de forma muito mais rápida e eficaz. Mas esta não é a única frente de batalha. A par da lei, foi revelado um acordo discreto entre os gigantes dos media desportivos e os principais fornecedores de internet do país, criando uma aliança poderosa para fechar a torneira das transmissões ilegais. Se costumas acompanhar eventos desportivos online, vais querer perceber o que está a mudar.

Um sistema mais rápido e automatizado para bloquear piratas
Há anos que a França, tal como outros países europeus, utiliza o bloqueio de sites como ferramenta contra a pirataria. No entanto, o processo tradicional tem-se revelado demasiado lento e burocrático para combater a natureza dinâmica das transmissões ao vivo, que saltam de um endereço para outro em questão de minutos. A nova legislação vem alterar o Código do Desporto francês precisamente para resolver este problema.
A grande transformação é a remoção da necessidade de passar pelo regulador de telecomunicações francês, a Arcom, para cada novo bloqueio. Com a nova lei, os detentores de direitos, como canais de desporto, poderão usar um sistema automatizado para identificar e comunicar os alvos a bloquear.
Os fornecedores de internet serão então obrigados a implementar estes bloqueios “sem demora”. Ao permitir que os juízes visem diretamente os endereços IP dos servidores piratas, a lei abre a porta a uma tática muito mais agressiva, já em uso em países como Itália, Espanha e Reino Unido.
Para garantir que esta engrenagem funciona sem percalços, uma investigação do jornal francês L’Informé revelou um acordo de princípio, negociado desde 2023, entre a Associação para a Proteção de Programas Desportivos (APPS) — que representa pesos-pesados como a beIN Sports, Canal+ e Eurosport — e os quatro maiores fornecedores de internet de França: Orange, SFR, Bouygues Télécom e Free. Este acordo estabelece os pormenores técnicos e, crucialmente, quem paga os custos associados a este novo sistema de bloqueio.
A “epidemia” da pirataria que justifica a ofensiva
A urgência e a dureza destas novas medidas são justificadas por números que as autoridades e as empresas de media consideram alarmantes. Em França, estima-se que cerca de 37% dos espetadores da Ligue 1, o principal campeonato de futebol do país, assistem aos jogos através de meios ilegais.
Para os detentores de direitos, as ferramentas atuais são manifestamente insuficientes. Brice Daumin, diretor-geral da DAZN em França, resumiu a frustração de forma clara: “A Arcom não trabalha aos fins de semana”. A lentidão do sistema francês torna-se gritante quando comparada com a de outros mercados europeus. “Em Inglaterra, conseguimos bloquear 10.000 links em dois dias; em Itália, são 18.000. E com a Arcom, são 5.000 por ano”, lamentou.
A luta contra uma “máfia” organizada
Xavier Spender, da APPS, vai mais longe e descreve o cenário como uma batalha contra uma economia criminosa altamente estruturada. “Hoje, enfrentamos grupos mafiosos à frente de uma economia da pirataria, com um modelo que se assemelha ao tráfico de drogas”, afirma. Ele refere-se, em particular, às ofertas de IPTV ilícitas, que são vendidas abertamente e que exigem uma resposta em tempo real.
Apesar da necessidade de agir, a implementação de poderes de bloqueio tão vastos levanta preocupações. O principal risco é o chamado “overblocking”, ou seja, o bloqueio acidental de sites e conteúdos legítimos que partilham a mesma infraestrutura de um alvo pirata.
Este é um problema que já ocorreu em Espanha e Itália após a introdução de sistemas semelhantes. No entanto, Xavier Spender assegura que serão implementadas todas as garantias para evitar este risco e que os detentores dos direitos continuarão a ser legalmente responsáveis por quaisquer erros que cometam.
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