Um novo e controverso relatório da Bloomberg Intelligence está a agitar as águas no mundo da condução autónoma. A análise coloca a Tesla como líder destacada face a concorrentes como a Waymo, afirmando que a sua tecnologia está mais próxima da autonomia total e é significativamente mais segura. No entanto, estas conclusões estão a ser fortemente contestadas por se basearem em comparações de dados que são, na sua essência, enganadoras.
A polémica surge num momento delicado, com a Tesla a preparar o lançamento do seu aguardado serviço de “robotaxi”. A análise da Bloomberg está a ser partilhada por apoiantes da marca, e até pelo seu CEO, Elon Musk, para reforçar uma imagem de liderança. Contudo, quando se olha para os números com atenção, a história que contam é muito diferente daquela que o relatório promove. Vamos desmontar os argumentos.

O mito da segurança ao comparar o incomparável
A alegação mais forte do relatório é que os veículos da Tesla, com a sua tecnologia de assistência à condução, são dez vezes mais seguros do que a média dos automóveis. Para chegar a este número, a análise compara o relatório de segurança do Autopilot da Tesla com estatísticas nacionais e com os dados da Waymo, mas esta comparação é fundamentalmente falha.
O problema começa na forma como a Tesla regista os seus próprios dados. A empresa apenas contabiliza acidentes graves, ou seja, aqueles que são suficientes para ativar um airbag ou um tensor do cinto de segurança. Isto significa que colisões a baixa velocidade, toques em passeios e muitos outros incidentes mais pequenos são completamente ignorados, o que resulta num número de acidentes artificialmente baixo. Para se ter uma ideia, a agência de segurança rodoviária dos EUA (NHTSA) estima que apenas 18% dos acidentes reportados à polícia envolvem a ativação de airbags.
Além disso, os dados da Tesla vêm de sistemas como o Autopilot e o FSD (Full Self-Driving), que exigem sempre um condutor atento e pronto a intervir. Não se trata de condução autónoma, mas sim de um sistema de assistência avançada, usado maioritariamente em autoestradas, um ambiente de condução inerentemente mais seguro.
Em contrapartida, os dados da Waymo são muito mais abrangentes, incluindo todos os incidentes que foram reportados à polícia, o que torna a sua base de dados mais transparente e realista. Comparar estes dois universos de dados tão distintos não permite tirar conclusões justas.
A miragem dos quilómetros e o custo real da autonomia
A análise da Bloomberg tenta reforçar a sua tese com outro dado impressionante à primeira vista: os quase 5 mil milhões de quilómetros acumulados pela Tesla. No entanto, também aqui a comparação com a concorrência não é direta.
Os quilómetros que a Tesla apresenta foram todos percorridos com um condutor humano ao volante, em modo “supervisionado”. O condutor é sempre o responsável final pelo veículo. Do outro lado, a Waymo foca-se em quilómetros “rider-only”, ou seja, totalmente autónomos, sem ninguém no lugar do condutor.
O relatório compara os milhares de milhões de quilómetros supervisionados da Tesla com apenas 35 milhões de quilómetros da Waymo, mas comete outro erro: usa apenas os dados da Waymo de uma única cidade, São Francisco. Na realidade, a Waymo já ultrapassou os 114 milhões de quilómetros em modo totalmente autónomo em todos os mercados onde opera. A Tesla, por sua vez, terá acumulado apenas alguns milhares de quilómetros neste modo, em testes muito recentes.
O preço da tecnologia e os desafios escondidos
Por fim, o argumento de que os veículos da Tesla são sete vezes mais baratos também é enganador. A verdade é que os carros da Tesla ainda não são autónomos. O custo do veículo não é o principal obstáculo para criar um serviço de robotáxi lucrativo e escalável.
Os verdadeiros desafios, e os mais caros, estão no mapeamento constante das áreas de operação, na otimização para essas zonas e, acima de tudo, na dispendiosa infraestrutura de teleoperações, onde operadores humanos monitorizam e ajudam os veículos remotamente. A viabilidade do serviço dependerá da proporção entre veículos e operadores, algo em que a Tesla ainda tem tudo por provar.
Outros artigos interessantes: