A hepatite C é uma doença infecciosa cuja existência só foi demonstrada em 1989. O vírus da hepatite C (VHC) é transmitido através do contato sanguíneo —via compartilhamento de seringas ou transfusão de sangue, por exemplo — e normalmente age sobre o fígado do enfermo, fazendo com que este possa vir a desenvolver cirrose e câncer hepáticos.
Para evitar que mais pessoas sejam contaminadas pelo vírus, os hemocentros podem exigir que o teste de hepatite C seja realizado antes de qualquer doação, o que acaba tornando o processo de coleta mais demorado. Agora, pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara desenvolveram um sensor capaz de detectar a presença do VHC em amostras de sangue com rapidez muito maior do que a dos exames convencionais.
Milhares de bolsas de sangue são descartadas, todos os anos, após a constatação de que estão contaminadas pelo patógeno. “É um número gigantesco de material de coleta, armazenagem e análise, que é simplesmente jogado fora”, diz Elenice Deffune, professora da Faculdade de Medicina da Unesp em Botucatu. Deffune participou dos esforços para a criação do novo sensor, projetado por Marli Leite de Moraes, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), quando cursava seu pós-doutorado no Instituto de Química da Unesp em Araraquara.
Os testes mais rápidos atualmente disponíveis podem levar cerca de 20 minutos para diagnosticar a presença do VHC. Já o projetado por Moraes leva apenas três minutos, tempo adequado à utilização do exame antes da coleta do sangue do doador. Caso o resultado do teste seja negativo, a coleta pode seguir normalmente; caso contrário, o paciente é encaminhado para o tratamento imediato da doença.
O sensor se diferencia dos demais quanto à nanotecnologia empregada. Os diferentes modelos de sensores não costumam procurar diretamente pelo vírus no sangue, mas pelo anticorpo produzido pelo organismo do paciente no combate à enfermidade. Portanto, os pesquisadores isolam o antígeno — molécula capaz de iniciar uma resposta imune — do vírus e o instalam em um aparelho que, a partir da proteína do VHC, consegue reter o anticorpo que consta no sangue.
Os antígenos usados pelos aparelhos convencionais tendem a ser proteínas grandes e difíceis de estabilizar, o que deixa o exame mais oneroso e lento. Moraes inova ao utilizar, em seu sensor, apenas um trecho do antígeno do VHC: o peptídeo específico identificado pelos anticorpos. “Isso nunca foi feito antes pois a partícula é muito instável. Mas nós utilizamos a fibroína, que é uma proteína que compõe a seda, para manter a conformação ideal do peptídeo”, diz ela.
micrografia eletrônica de um vírus da hepatite c. A barra preta no canto inferior esquerdo corresponde à escala de 50 nanômetros. Crédito: maria teresa catanese, martina kopp, kunihiro uryu e charles rice
Então, tendo instalado o peptídeo no aparelho, os pesquisadores aplicam uma técnica de detecção eletroquímica. O sensor é submetido a uma tensão elétrica e, se retiver os anticorpos, a corrente elétrica resultante terá um valor maior. Bolsas de sangue obtidas pelo Hemocentro de Botucatu foram utilizadas na verificação da confiabilidade do novo método, que confirmou todos os resultados positivos e negativos produzidos pelos demais sistemas de detecção.
Além do menor tempo de espera para fornecer uma conclusão, o sensor projetado por Moraes possui outra vantagem: ele não produz resultados inconclusivos, apenas positivos ou negativos. A falta de uma conclusão leva ao descarte do sangue, dada a impossibilidade de determinação da presença do vírus da hepatite C. “Cerca de 10% das bolsas que a gente descarta são desses resultados inconclusivos. Agora, não as descartaremos mais”, diz a professora Deffune, que ressalta a necessidade de testes mais amplos para que a tecnologia seja considerada segura para o uso laboratorial.
Tempo e dinheiro
Das milhões de pessoas portam o VHC ao redor do mundo, estima-se que cerca de 1,5 milhão esteja no Brasil. Como os sintomas da hepatite C podem demorar anos para se manifestarem, é comum que a doença não seja diagnosticada de imediato e, sem este diagnóstico, as pessoas podem, de boa-fé, doar sangue e infectar outras. Para evitar esta última possibilidade alguns países europeus e os Estados Unidos vêm tomando providências para que o teste da doença seja efetuado antes da doação, caso em que se aplica o teste rápido de 20 minutos. Tal rotina não é normalmente replicada no Brasil, como explica Deffune: “Aqui, a questão do tempo é central. O brasileiro doa sangue por emoção, se aumentarmos em 20 minutos o tempo de espera, ele vai embora”, razão pela qual o novo sensor, mais veloz, pode ser importante.
Ademais, o custo dos diversos métodos de análise é um fator cuja análise se faz essencial. A nova tecnologia usa sensores produzidos com um gasto de beira os 10 reais (valor que pode ser reduzido com a produção comercial, agora que a patente está à caminho), um quinto do custo do método convencional, o Elisa.
Moraes conclui que outros exames médicos, como testes de HIV, infarto e de tipagem sanguínea, podem ser facilitados pelo seu sensor. “O segredo de nossa tecnologia está em termos usado a fibroína da seda para imobilizar um pedaço do antígeno. Essa técnica pode ser usada para detectar diversas outras partículas”, observa a cientista.
Fonte: Revista Unesp Ciência
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