O nível de mercúrio armazenado nas porções rasas dos oceanos triplicou desde o início da Revolução Industrial, de acordo com pesquisadores.
Em estudo publicado na Nature, os cientistas relatam as conclusões de um levantamento (parte do projeto GEOTRACES) realizado a partir de amostras de água de diferentes profundidades dos oceanos Atlântico e Pacífico, segundo as quais a atividade humana é a provável responsável pelo aumento da presença do mercúrio nos mesmos. [Leia também: Mapas revelam a concentração de poluentes no oceano].
Processos industriais, como a queima do carvão — combustível no qual o mercúrio está naturalmente contido — e a mineração do ouro em pequena escala — em que o mercúrio líquido é utilizado para separar o ouro dos demais minérios, posteriormente evaporando —, são fontes de emissão de mercúrio na atmosfera, de onde a chuva o retira, depositando-o nos oceanos. Na água, bactérias realizam uma reação química que transformam o mercúrio na neurotoxina metilmercúrio, capaz de se alojar na vida marinha de forma crescente, ou seja, sua concentração nos organismos cresce de acordo com sua posição na cadeia alimentar: quando mais alto (atuns, por exemplo), mais metilmercúrio contém.
Em razão disso, as pessoas são frequentemente expostas ao mercúrio quando se alimentam de frutos do mar, alega Carl Lamborg, líder do estudo e oceanógrafo do Instituto Oceanográfico de Woods Hole, em Massachusetts. De fato, a cidade litorânea de Minamata, no Japão, já sentiu os nefastos efeitos da contaminação humana por mercúrio quando, nos anos 1950, o peixe do qual os moradores se alimentaram foi contaminado pelo elemento tóxico despejado por uma indústria local. O episódio, no qual muitos moradores vieram a falecer devido aos efeitos neurológicos do mercúrio, deu nome a um tratado internacional de contenção da contaminação por mercúrio, firmado em 2013.
Comparações
As amostras de água obtidas revelaram que as águas não poluídas (tais como as que se situam a mais de 1.000 metros de profundidade no Oceano Pacífico) possuem uma proporção fixa entre mercúrio e fosfato, substância melhor avaliada por estudos prévios. A mesma proporção foi empregada como ponto de referência para a comparação com níveis de mercúrio de diversas profundidades em diferentes oceanos, tendo em vista que o fosfato também é absorvido pela vida marinha, e as águas abaixo de mil metros de profundidade não entraram em contato com a superfície dos oceanos desde a Revolução Industrial.
Já a proporção de mercúrio efetivamente originada pela ação antropogênica, em contraste com mecanismos naturais de liberação de mercúrio (como a decomposição das rochas), foi mais difícil de calcular. A princípio, o dióxido de carbono (CO2) foi o parâmetro usado, uma vez que ambos são liberados na queima dos mesmos combustíveis fósseis e, portanto, a razão de geração humana de mercúrio e CO2 tende a ser representada uniformemente em camadas oceânicas de semelhante profundidade.
Os resultados indicam que, em águas com menos de 100 m de profundidade, a presença de mercúrio aumentou em um fator de 3,4 desde o começo da Revolução Industrial, ao passo que, em camadas intermediárias dos oceanos, os níveis de mercúrio aumentaram em 1,5 vez. (Os pontos mais críticos de contaminação estão ao redor dos países banhados pelo Atlântico Norte.)
Graças aos padrões de circulação, que levam a água fria e densa a se concentrar no fundo dos oceanos, o mercúrio que inicialmente é depositado pela chuva acaba sendo retirado da superfície, onde vivem proporcionalmente mais seres vivos. Isso acaba por reduzir a contaminação dos animais marinhos e, consequentemente, por diminuir também o risco no consumo humano de frutos do mar, embora Lamborg alerte para a possibilidade de que a capacidade de “sequestro” de mercúrio das águas profundas possa se esgotar, pois, segundo ele, podemos lançar, nos próximos 50 anos, o equivalente às emissões dos últimos 150 anos.
As descobertas ainda refutaram a hipótese de que a Corrida do Ouro americana, movimento socioeconômico ocorrido no Oeste dos Estados Unidos, no século XIX, tenha contribuído para uma presença maciça de mercúrio no oceano. Para Lamborg, o mercúrio à época produzido pela mineração deve ter se depositado no solo.
O pesquisador ainda se diz “otimista” em relação ao problema do mercúrio nos oceanos, pois este lhe parece “um pouco mais manejável”. “Isto é causa de otimismo e deve nos deixar empolgados para fazer algo a respeito, porque podemos realmente ter um impacto”, completa.
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