Nos anos 1890, o cirurgião William Coley começou a injetar bactérias Streptococcus em pacientes de câncer (cancro), a fim de que elas combatessem os tumores. Os primeiros testes — com bactérias vivas — provocaram infecções, o que levou o médico a mudar de estratégia e passar a administrar bactérias mortas de diferentes gêneros, mistura que ficou conhecida como as “toxinas de Coley”, a mais de mil pacientes, muitos dos quais sobreviveram.
A ideia de se tratar câncer com bactérias já não era nova na época em Coley a testou, porém, métodos mais modernos, como a quimioterapia e a radioterapia, fizeram com que as bactérias fossem deixadas de lado. Agora, um novo estudo realizado com cães e, até mesmo, uma paciente humana, indica que determinadas bactérias podem reduzir ou eliminar tumores quando injetadas diretamente sobre estes.
No experimento atual, pesquisadores inseriram esporos (versão desidratada da célula bacteriana, na qual o material genético é protegido por uma grossa parede e pode sobreviver por anos, tendo suspensa a atividade metabólica) da bactéria Clostridium novyi, encontrada no solo, em tumores de camundongos, cães e uma mulher. A bactéria escolhida para os testes prefere ambientes de pouco oxigênio, condição satisfeita no interior dos tumores, onde, em ambiente favorável, os esporos voltam à ativa, “dividem-se e matam as células cancerosas”, disse à Science o cientista Saurabh Saha, que participou dos testes e é coautor de artigo publicado no periódico Science Translational Medicine.
Após verificarem que a injeção da bactéria em tumores cerebrais dos ratos aumentava sua expectativa de vida, os pesquisadores deram um passo adiante utilizando, para tanto, cães de estimação a cujos donos não restava outra alternativa de tratamento para salvar os animais. Ao contrário dos tumores dos roedores — artificialmente gerados —, o câncer canino se desenvolve espontaneamente e, portanto, lembra mais o caso de pacientes humanos. Em 6 dos 16 cães tratados, os tumores encolheram ou desapareceram; em outros 5 animais, os tumores pararam de crescer.
A primeira paciente humana a receber o tratamento foi uma mulher cujo tumor abdominal já havia sofrido metástase e passado a afetar outras regiões do corpo. O tumor de uma dessas regiões, o ombro direito, recebeu as injeções de bactérias e definhou, no entanto, como já estava inserido no úmero, a própria regressão do tumor provocou a quebra do osso, que passou por reparação cirúrgica. Apesar do sucesso localizado, a paciente veio a falecer devido ao conjunto de metástases.
Quanto ao risco de infecções provocadas pela C. novyi, Saha explica que a bactéria passou por um procedimento para apresentar menos risco a pacientes humanos, com o uso de calor. Além disso, como acima mencionado, o tratamento é bastante específico à região do tumor por ser esta pobre em oxigênio, razão pela qual a bactéria “distinguiu o tumor das células normais”. (Mesmo assim, os pacientes receberam doses de antibióticos como forma de evitar a proliferação indesejada da bactéria.)
Os pesquisadores pretendem continuar os experimentos, a fim de determinar que tipos de tumor podem ser tratados com bactérias. Todavia, os especialistas em câncer Douglas Thamm, da Universidade Estadual do Colorado, e Robert Hoffman, da companhia de biotecnologia AntiCancer Inc., atentam para a possibilidade de que a inserção direta das bactérias nos tumores possa deixar metástases sem tratamento.
Já o Dr. Shibin Zhou, professor associado da Universidade Johns Hopkins em Maryland, Estados Unidos, suspeita que a combinação da técnica de injeção bacteriana com terapias convencionais, como a quimioterapia, pode ser de grande valia no tratamento do câncer. “Algumas dessas terapias tradicionais são capazes de aumentar a região hipóxica [onde há falta de oxigênio] em um tumor”, afirma a Dra. Verena Staedtke, também da Johns Hopkins, o que aumentaria a potência e eficácia do tratamento.
Zhou completa que uma das possíveis vantagens da terapia bacteriana é a de os organismos invasores estimularem a resposta imune do organismo do paciente às metástases, hipótese sugerida por estudos com ratos, mas não confirmada ainda por meio de testes com cães e/ou humanos.
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