Descaradamente cúmplice do leitor, Karen Fowler, oferece-nos na sua última obra recentemente publicada , uma história de crescimento e perda, de comunicação e diferenças, e de como abraçar causas nos pode aproximar de nós mesmos.
Este romance, premiado com o PEN/ Faulkner Award 2014, fala-nos, essencialmente, de família. Não só da família como é concebida actualmente na sociedade ocidental, como lugar de socialização, de troca de aprendizagens e de afectos, mas também de parentesco, em sentido muito mais amplo do que à primeira vista possamos esperar.
Até muito recentemente limitávamos o conceito de família, a meros laços de consanguinidade, o que acabava por classificar de algum modo discriminatório, como órfãos, indivíduos que cresciam sob a protecção, amor e orientação de outros com quem não partilhavam a mesma combinação de ADN. Nos dias de hoje, a família é cada vez mais afecto e menos semelhança genética. A família Cooke, retratada neste romance tem de tudo: afectos, segredos, silêncios e semelhança genética, em diferentes graus.
A autora de “Estamos Todos Completamente Fora de Nós”, dirige-se a nós na primeira pessoa, o seu discurso é fluído e bem humorado, na pele de Rosemary, a jovem adolescente assumidamente “tagarela” na infância e progressivamente “silenciosa” a partir dos cinco anos, quando perdeu a sua irmã, Fern.
Até este ponto, o romance de Fowler não parece acrescentar nada de novo à infinitude de narrativas já publicadas. No entanto, através do elemento-surpresa que não será aqui revelado, toda a história ganha uma nova dimensão e toda a mensagem que nos fora transmitida até quase meio do livro, as memórias e reflexões da narradora tem que ser reinterpretadas, todos os significados mudam radicalmente. Ou talvez não tanto.
As emoções vividas por Rosemary, levam-nos a reflectir sobre a capacidade que as crianças revelam para incorporar e lidar com as diferenças dos que a rodeiam, através do amor e da partilha de experiências que as transpõem para o mesmo mundo.
Nas palavras que Fowler colocou na boca da jovem Rosemary, a respeito da sua irmã:
“Por vezes era um estorvo, um mono às minhas costas, mas acima de tudo sentia-me expandida, como se o que verdadeiramente importasse não fosse aquilo que Fern era capaz de fazer ou o que eu conseguia fazer, mas a soma disso – Fern e eu juntas. E juntas conseguíamos fazer praticamente tudo. Este, portanto, é o eu que conheço, a metade humana das fabulosas, fascinantes e fantasmagóricas irmãs Cooke.”
Seria necessário desvendar a surpresa, o elemento mistério, para explicar como a autora articula esta relação entre irmãs com o tema polémico do uso de animais para fins científicos, das acções ditas terroristas dos defensores dos animais contra os laboratórios, mas não o faremos.
Crescer, torna-se para Rosemary um desafio para superar a dor causada pela perda e pela culpa, pela aceitação de que algumas diferenças são mesmo inultrapassáveis. E faz isso abrindo-se para o exterior, para fora de si mesma, onde existe.
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