Em 28 de Agosto estreou, no Reino Unido e “on demand”, o filme protagonizado por Charlotte Rampling e Tom Courtenay, vencedores de um Urso de Prata, na 65ª edição do Festival de Cinema de Berlim, como melhor actriz e melhor actor.
No filme “45 Years”, um casal está a preparar-se para comemorar os 45 anos de casamento quando recebe notícias inesperadas de uma ex-namorada do marido, o que vai abalar o casamento. Na tentativa de ultrapassar essa crise, bebem vinho, conversam, e vão para o quarto, onde o marido sugere que façam amor. A mulher fecha a porta.
Neste ponto, espera-se uma mudança de cena, mas se esperam uma cena entre abelhinhas a polinizar florzinhas, desenganem-se: o casal, entre os 60 e os 70 anos, vai mesmo fazer amor e o público vai ver as cenas de sexo entre eles.
Segundo o realizador, Andrew Haigh, esta é uma cena fundamental do filme, que desafia a ideia generalizada de que ao envelhecer, as pessoas deixam de fazer sexo.
Em “45 Years”, a cena de sexo é realista e tratada com respeito pelo realizador, mostra os corpos reais, marcados pela idade. Não é incluída no filme como uma cena cómica, porque “sexo entre pessoas mais velhas não deve ser visto como uma anedota”, afirma Andrew Haigh.
Frequentemente, mesmo que de forma inconsciente, a nossa visão ou a nossa percepção desvanecem – se perante certo tipo de pessoas, seja pela idade, ou pela cor da pele, ou orientação sexual tornando-as “invisíveis”, fruto do contexto em que nos desenvolvemos.
Isso passa-se com a nossa percepção de velhice, ao contrário das sociedades pré-modernas e em algumas actuais – como na India e na China – a sociedade ocidental atribui aos mais velhos uma diminuição de estatuto social, a sua reserva de sabedoria já não é valorizada, numa sociedade em constante mudança.
O mesmo acontece com a imagem do corpo envelhecido. Desde sempre o ideal de beleza humana é representado em corpos jovens e ágeis, não em corpos marcados pelo tempo. A juventude e a beleza vendem, atraem-nos e deixamo-nos atrair por elas: somos aliciados constantemente por imagens desse ideal.
Habituámo-nos a associar o envelhecimento a um processo de diminuição e de perda: diminuição da beleza, da força, da saúde. Não concebemos que, num processo que imaginamos tão negativo, estamos perante pessoas outrora jovens e perante o nosso próprio retrato num futuro muito próximo… apagamos a sua beleza e tornamos a sua sexualidade invisível.
Andrew Haigh aponta um assunto delicado, numa abordagem directa e realista. Confessa que, para ele, que tem 42 anos, é uma triste constatação, esse preconceito, já que a sexualidade, o desejo e as emoções definem a nossa vida.
Contudo “45 Years” é um filme de autor, não é um filme que precise de se submeter às regras do mercado, apesar da óptima aceitação que está a ter por parte de críticos e público.
No universo cinematográfico, a realidade é diferente, em especial no mainstream, não é só a idade dos actores que condiciona as suas participações, são também os guiões, que estão construídos para actores e actrizes jovens.
O que começa a verificar-se é que o público também não está a ir para jovem: o envelhecimento populacional é uma realidade que não pode continuar a ser ignorada – os mais velhos são visíveis, bem como todas as dimensões da sua vida, onde se inclui a sexualidade.
Até agora, as cenas de sexo no cinema, entre pessoas mais velhas, têm sido parodiadas, ou ignoradas, como no início do seculo XX se adivinhava um beijo entre um casal se a rapariga levantava o pé…ou algo mais “escaldante” e “imoral” se as luzes fossem apagadas.
Se a motivação das grandes produtoras passa por obter bons resultados de bilheteira e se isso passar por assumir que os mais velhos deixaram de ser a “minoria” invisível e passaram a ser quem lhes compra os filmes… então há que aproveitar. Se não for por uma questão de principio e de lucidez, então que seja por isso, mas que o façam e mostrem ao mundo que a sexualidade, o carinho, o toque e o afecto acompanham-nos até ao fim, por longo que seja o caminho. Ou pelo menos, deviam…
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